HISTORIA DE NOSSO FUSCA PARTE 4 – O FUSCA FOI PARAR NO TRAUMA.

O fusca estava com as dobradiças de uma das portas com folga, e isso fazia com que se fechasse com dificuldade, o que muitas vezes se fazia dispensar o carinho.

Seu Valdemar resolveu entregar para conserto a um lanterneiro que morava próximo de nossa casa, mas que trabalhava em uma oficina a alguns quarteirões.

O lanterneiro pegou o fusca bem cedo em nossa casa, e seu Valdemar aproveitou o tempo de conclusão do serviço para efetuar o pagamento de algumas contas em um banco que ficava no centro da cidade. Para chegar até lá utilizou sua Kawasaki-100 dois tempos que era pau pra toda obra. Só que ao se aproximar da rotatória do centro cívico a corrente da moto quebrou, lhe deixando na mão. Ele teve então que procurar uma oficina e o tempo que levou para consertar foi o suficiente para que o lanterneiro que tinha um laço afetivo com o álcool, concluísse o serviço pegasse o carro para um passeio, com direito a um pit stop em um barzinho e depois de umas três doses, acelerou em uma reta e ao sair da pista e chocar-se com o meio fio, o fusca deu três capotadas e parou com as rodas para cima.

Eu deveria ter uns 13 ou 14 anos de idade, e trabalhava em reforma de casas, e todos os dias fazia o percurso de casa para o trabalho e do trabalho para casa, sempre pela avenida do acidente. Me lembro como se fosse hoje, estava voltando, vi o acidente e resolvi passar próximo, já havia muitas pessoas no local, inclusive alguns conhecidos e amigos; observei que tinha sido grande o estrago, o carro tinha a cor idêntica ao do nosso, todos os vidros quebrados exceto o vidro traseiro direito, e foi justamente aquele vidro que me fez reconhecer o carro, no vidro que não se estilhaçou havia um adesivo de São Cristóvão o padroeiro dos motoristas, desci rapidamente de minha bicicleta e fui passando pelos conhecidos e perguntando como estava meu pai, antes de entrar no carro que já estava com a porta aberta, ouvi alguém dizer que não era ele que estava dirigindo, isso me deixou mais calmo, quando entrei no carro ainda com as rodas pra cima, encontrei o pai retirando alguns documentos do porta luvas, olhei pra ele e percebi que estava com muita raiva.

Dali o fusca foi para oficina e o lanterneiro que também era pintor, se recuperou sem sequelas e se comprometeu a fazer todo o serviço de funilaria e pintura, só que havia um porém, o alcoolismo lhe fazia um homem de limitações financeiras e com isso seu Valdemar teve que arcar com as despesas com o material da reforma.

Foram mais de dois meses de peleja para que o fusca ficasse pronto para receber outros vidros e para-brisas, como o comercio em nossa cidade era pequeno e não havia opções, a tinta não foi encontrada e o jeito foi ter que pintar o carro com um amarelo quase branco ou creme claro, que defini como amarelo impaludismo.

Ele voltou a rodar, mais jamais foi o mesmo, e o pai terminou desapegando.

Não recordo quem o comprou.

Hoje passado mais de 40 anos, moro em outro bairro e sempre me encontro com o lanterneiro, comprido e esquálido como sempre foi, ele mora também por aqui, e anda em um triciclo elétrico adaptado para deficiente, pois sofreu um AVC, continua alegre e cheio de graça, mas o que esperar de um cidadão que atende pelo codinome de “espirro”, parece nome de profissional de artes circenses ou palhaço mesmo.

Sempre que passa por aqui, e mesmo que não o veja, lhe ouço quando dá um gritinho Huuuuuuuuuuuuuuou!!!!

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 19/02/2021
Reeditado em 16/07/2023
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