Ao amigo Gerhard.

Hoje é um dia triste. Nosso amigo morreu.

Amigo e irmão de longa data, de muitas conversas, risos e cumplicidade.

Gerhard nos deixou da mesma maneira que viveu: rebelde, andando de skate. Seria poético se não fosse a tragédia que é.

Diante deste horror, eu me questiono se a beleza, se a poesia, podem superar esse mundo frio e indiferente. Pergunto-me se vale a pena ainda ter esperanças de que, no fim, não estaremos sós e tristes.

Teimo que vale sim. Mesmo com as vicissitudes, perrengues e complicações da vida, a nossa breve jornada aqui, nossa breve fagulha de existência, a vida tem que valer, tem que ter significado, e mesmo quando não encontramos sentido, devemos ressignificá-la.

Isso é dar ares de poesia para a vida fria. Isso é viver como Gerhard se propunha. Mesmo que muitos, inclusive eu, não entendessem.

Nosso amigo não gostava de poesia. Mal sabia ele que sua rebeldia era totalmente poética. Era poética porque Gerhard se agarrava nela como um filho se agarra a mãe quando sente medo, ou quando um andrógino se agarra a uma identidade.

A poesia se agarra ao abstrato de forma a se desvencilhar da apatia da palavra feia e fria. Gerhard se agarrava a sua personalidade como uma fuga deste mundo burocrático e sem sonhos.

Agarrou-se como pôde à rebeldia, porque não queria perder a conexão dele com ele mesmo. Não queria esquecer seus sonhos ou de quem já foi.

Isso lembra a todos nós. Lembra os homens que um dia já fomos, antes que a vida chegasse e nos fizesse acreditar que não havia lugar para sonhos. E acreditamos. Acreditamos porque somos fracos? Não sei, amigos.

O que eu sei foi que nosso amigo não acreditou. Isso o prejudicou? Sim, é fato. A vida convencional, de pagar boletos, ter responsabilidades, não era para ele. Nosso amigo era um sonhador. Estava outro patamar acima de nós.

Sua personalidade peculiar, uma mistura de fala e olhar mansos com atitudes rebeldes e estabanadas, não agradava a todos.

Alguns não entendiam, outros simpatizavam, outros se aborreciam. Em tempos remotos, outros tantos se inspiraram nele. Foi, enfim, antes e acima de tudo autêntico.

A jornada de nosso amigo foi curta e intensa. Eu costumava falar para ele que, pelo menos, ele teria muita história para contar aos netos. Mas não deu tempo. A vida nem sempre compactua com nossos planos e anseios por felicidade. Ela é, por natureza, implacável e indiferente.

Infelizmente a vida não manda avisos prévios. Nem sempre temos tempo de harmonizar nossas relações com familiares, esposa, filhos e amigos, antes de alguma tragédia. Por isso é que dizem que devemos valorizar cada minuto com as pessoas que nos cercam. A vida ensina. A morte também.

Enfim, o que a vida e nem a morte podem nos tirar são a lembranças, os risos, a música, a bebedeira, a chapação, a amizade, a confiança, as cruzetas, as conversas e, absolutamente, todos aqueles preciosos momentos de comunhão.

Vai em paz, meu amigo, você foi uma figura inesquecível e será lembrado para sempre por cada um dos seus.

Bruno Sousa
Enviado por Bruno Sousa em 08/10/2021
Reeditado em 12/01/2022
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