RACISMO COM SEGREGAÇÃO CONDICIONADA

Já faz muitos anos que meu pai me contou este lamentável episódio que se passou a mais de cinco décadas, e que revelava como o racismo era praticado sem nenhum escrúpulo e que parecia fazer parte da cultura de uma sociedade que não se adaptava com fim da escravidão que já se passara quase um século de sua abolição.

Tudo se passa em Campinas município de São Paulo, era fim dos anos 70 e seu Valdemar juntamente com alguns companheiros que ao longo dos anos estavam sempre juntos na mesma empresa e nos mesmos trechos, em construções de pontes e rodovias como naquela canção sertaneja que diz: - Nestas longas estradas da vida... Ao chegar nestes estados passavam pelo breve período de adaptação, e sempre compartilhavam os mesmos espaços, e um desses espaço era a barbearia. Com a chegada de outros amigos a primeira dica a passar para estes, era quase sempre o barbeiro, aquele profissional que corta cabelo e faz barba, expressão não muito correta uma vez que a barba já está feita, o que se poderiam fazer era retirar ou aparar ou até harmonizar como se diz nos dias de hoje.

Tudo se passa com a chegada de um desses amigos vindo do Amazonas e que foi lhe procurar com o intuito de obter informação sobre o endereço do barbeiro que frequentavam. Seu nome era Nelson mas era chamado pelo seu codinome “neguinho”, devido a cor de sua pele ou raça, o que nos tempos de hoje seria politicamente incorreto chama-lo ou identifica-lo por este nome, devendo ser chamado quem sabe de, afro-descendentezinho ou somente afro-descendente. Ele precisava ir ao barbearia pois sabia que com aquele cabelo estilo Black Power sua aparência talvez não agradaria seus chefes. Seu Valdemar lhe passou o endereço prontamente.

No outro dia ao chegar na empresa com a juba parecendo Fernando Mendes nos anos 80, neguinho causou espanto em todos, e todos queriam saber porque não havia cortado ou aparado o cabelo. Ao contar o que passou na barbearia, neguinho até fez um apelo para que um de seus amigos com mais habilidade cortasse seu cabelo.

Meu pai não me contou como neguinho fora tratado ao chegar na barbearia, mas me disse que o barbeiro ao saber que neguinho estava na fila para cortar, sem muita explicação ou arrodeio lhe disse que ali não se cortava cabelo de pessoas de cor, como se na pior das hipóteses o ser humano tivesse alguma culpa por herdar de seus genitores a pigmentação de sua pele. Todos ficaram incrédulos com aquela situação, já que jamais tinham visto ou ouvido falar daquele tipo de descriminação, pois lá pras bandas do norte não havia nesse sentido pré-conceito, e a única coisa que poderia fazer alguém não sair de uma barbearia com o cabelo cortado seria a falta do capilé ou remunerado.

Seu Valdemar resolveu ir até a barbearia para falar com o barbeiro, e ao chegar perguntou o motivo da recusa em atender e prestar o serviço a neguinho, já que seu dinheiro tinha o mesmo valor que de todos. Antes mesmo que o barbeiro começasse a explicar ele foi logo lhe avisando que acabara de perder oito fregueses. O barbeiro ao ouvir pediu humildemente que se acalmasse que iria lhe explicar o motivo.

Disse ele:

- Faz muito tempo que possuo essa barbearia, e é daqui que retiro meu sustento, de minha família e de meu funcionário, gostaria muito que me compreendesse que não sou racista e não ignoro nenhuma pessoa seja da cor ou da raça que for.

E passou a explicar o motivo que lhe levou a agir daquela forma:

- Se alguém me visse cortando o cabelo de seu amigo, sendo freguês ou não, talvez jamais entraria alguém aqui em minha barbearia.

E terminou dizendo:

- A escravidão faz muito tempo que acabou, mas o preconceito e o racismo ainda não.

Meu pai me disse que ouviu atento o que o barbeiro falou, e depois de uma reflexão lhe disse:

- Não sei o que faria se estivesse em seu lugar, mas como não podemos mudar as coisas como são, temos que aceitar a força.

O barbeiro lhe disse que se quisesse seu serviço estaria sempre as ordens, e num impulso fez uma proposta a meu pai, que ele e seus amigos resolveram aceitar inclusive neguinho que seria o beneficiado ou parcialmente segregado.

- A proposta era a seguinte:

Ao fechar a barbearia ele poderia cortar o cabelo de neguinho, desta forma e sem opção de agendamento, neguinho ficou sendo o cliente VIP e exclusivo.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 31/08/2022
Reeditado em 15/07/2023
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