Meu amigo extraordinário

A minha história com Natildo é dividida em dois momentos. O primeiro foi um encontro profissional, em meados dos anos 80. Eu trabalhava no Sebrae e coordenava um programa de crédito orientado para micro e pequenas empresas. Natildo, como empresário, foi um dos nossos clientes. Um bom saldo que ficou desse momento foi a criação da primeira Associação de Microempresas de João Pessoa, a Ame-JP, que serviu de embrião para o surgimento de muitas outras que surgiram no estado. E Natildo estava conosco nessa idealização.

O segundo momento deu-se no ano de 1988. Foi quando nos encontramos no primeiro Encontro de Casais com Cristo, da Paróquia do Rosário, em Jaguaribe. E aí Marli se juntou a essa amizade, que congregava outros casais. Na época, como é praxe nas apresentações dos casais do ECC, dizíamos os nossos nomes, o tempo de casados e o número de filhos. Netos ainda eram um sonho distante. A grande diferença é que, a partir daquele encontro, não seríamos mais reconhecidos pelos nossos nomes individuais. Vinha sempre acompanhado. Agora era Fernando, de Ademildes, Natildo de Marli, ou vice versa, sacramentando o que dizem as escrituras que “ao se unir à sua mulher, os dois se tornarão uma só carne”.

As reuniões que se sucederam após o encontro permitiram muitos momentos em família. Os nossos filhos eram muito jovens e nos encontramos em diversas ocasiões em ambientes praianos.

Em 1991 eu vivi um momento muito significativo em minha vida e Natildo e Marli, além dos outros casais que formavam o nosso grupo do ECC, foram de muita importância pela situação que eu enfrentava. Por uma razão especial. Eu estava sofrendo com muitas dores. Mas sem um diagnóstico preciso. Após um, dos muitos exames que eu fiz o médico afirmou, sem nenhum arrodeio, que provavelmente eu teria um tumor no cérebro, o que foi confirmado depois. O consultório médico ficava ali na Lagoa. Era final da tarde quando ele me deu essa notícia. Eu, assim como Marli e Natildo, morava no Cristo. Tão em choque eu fiquei com a notícia que sai a pé da lagoa para casa. Mas não só andando. Andando e chorando, pensando qual seria o meu destino e como dar essa notícia a Ademildes e aos meus filhos pequenos, pois o mais velho estava com 12 anos. Quando passava por Jaguaribe, ali próximo ao Centro Administrativo, ficava a farmácia de Natildo e Marli estava lá com ele. Foram os primeiros a terem a notícia e a sofrer também comigo. Confortaram-me e levaram-me para casa. Tenho a você, Marli e Natildo, essa imensa gratidão.

A derradeira vez em que nos encontramos com outros casais foi um pouco antes da pandemia, em sua casa em Bananeiras. Conosco estavam Beto e Graça, Valdir e Menininha, já que Orlando e Leda não puderam ir. Foram momentos muito agradáveis de descontração e também de oração.

Natildo sempre tinha um caso pra contar. Tinha umas piadas que, por mais que fossem repetidas, nunca perdiam a graça. Começava sempre assim: Tá sabendo o que andam falando de fulano? Como é que pode uma coisa dessa? Ou então das histórias de Graça, no tempo que morava em Campina Grande. Irreverência chegou ali e ficou.

Mas Natildo constituiu uma linda família, acrescida dos filhos dos seus filhos. Uma das netas, Duda, até fez uma playlist com as músicas que o avô gostava. É a que eu ouvia, enquanto escrevia essas linhas, com o gosto musical muito parecido com o meu. Até disse a ela que senti falta de uma, El presidente, com o trompetista Herb Albert e o grupo Tijuna Brass, que sempre fazia parte das nossas conversas musicais.

Hoje, fisicamente Natildo não está mais entre nós. Só a sua boa lembrança, o seu legado. Lembro que nesse mesmo mês, o ano passado, eu perdia uma irmã, Ana. São perdas muito dolorosas, e que por mais empáticos que sejamos jamais sentiremos a dor de quem perdeu. Como disse Marisa Monte, a dor é minha só, não é de mais ninguém. Apenas imaginamos o que se passa no coração de Marli. Mas essa imaginação ainda é pouco para o que ela realmente está sentindo depois de mais de cinquenta anos de convivência. Essa falta que Natildo lhe faz.

Assim também é com os muitos amigos que fez nessa vida. Para ele o outro era sempre uma pessoa extraordinária, mas na verdade o extraordinário era ele.

Fique com Deus amigo e como disse o poeta, Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar, com a graça de Deus.

Fleal
Enviado por Fleal em 01/12/2022
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