MORAVA LÁ EM CASA O MELHOR VIZINHO QUE JÁ VI

Meu pai pode até não ter sido o melhor vizinho que já vi, mas sem dúvidas está entre os dez da história da humanidade. Muitos são os motivos que lhe fazia está neste patamar de excelência, e uma delas era a servidão.

O exemplo que relato se dá lá pelos anos 80. Nosso vizinho pela margem esquerda era funcionário de uma estatal de telecomunicações, e como nesta época em todos o Brasil as empresas de telecomunicações pertenciam aos governos dos estados, o telefone era um bem quase de luxo, fila para adquirir, preço com ágil para comprar uma linha de outra pessoa seja física ou jurídica. A coisa era de um valor tão estimável que devia ser declarado como bem na declaração de Imposto de Renda. Como em toda estatal, nesta época o cabide de emprego era uma farra, concurso para admissão não existia. Me recordo que quando perguntava de um amigo ou conhecido onde estava trabalhando, a resposta era sempre a mesma; “Trabalhando não, onde estou empregado! ” Em seguida dizia o nome desta ou de outra estatal. A coisa era tão boa que a estatal possuía um clube e era considerado em nossa cidade, assim como o clube do Banco do Brasil - AABB, um clube meio elitizado.

Nosso vizinho ocupava um cargo de diretor, e como consequência de sua posição na empresa, conheceu todo o Brasil em inúmeras reuniões com outros diretores de estatais de telecomunicações, realizadas sempre em estados diferentes pra que pudessem "fomentar o turismo."

O vizinho era um senhor que até hoje conhece muito dos números, e das normas administrativas e contábeis, seria capaz de exercer sua função em qualquer empresa pública ou privada. Desconheço qualquer comentário ou algo que desabone sua conduta moral e profissional.

Até que no governo de um certo presidente a festa acabou, todas as estatais de telecomunicação foram privatizadas e junto com o nome da empresa, foram embora quase que todo o quadro de funcionário, o clube acabou e depois de passados alguns anos de seu fim, perguntei de um amigo que ainda trabalhava por lá, quantos funcionários da antiga estatal ainda estava na nova empresa, e ele me respondeu; - Não mais que sete. Infelizmente meu vizinho não fez parte dos sete remanescente.

Além dos conhecimentos em administração meu vizinho também tinha uma certa habilidade na arte de tocar sanfona ou acordeão, daria uma nota 8 a sua habilidade e performance sem forçar a amizade, não me recordo de quantos baixos eram a sua sanfona, só sei que sempre estava ensaiando os atuais e antigos forrós.

Pelo menos em dois finais de semana todos os meses, na casa do vizinho, começando na sexta à noite até madrugada de sábado, ou de sábado para domingo, rolava um forró “pé de serra”, ele como sanfoneiro com alguns casais de amigos que trabalhava na telefônica, como diziam os nativos, sempre improvisando pelo menos dois deles como o cara da zabumba e do triangulo, desta feita estava formado o trio, o ambiente era em baixo de uma cobertura tipo chapéu de palha. A festa rolava regada a muito churrasco, cerveja e arrasta pé.

Algumas vezes pela manhã ddessa formaepois de algumas horas de encerrada a festa, vi minha vizinha colocar a cabeça em cima do muro e chamando minha irmã lhe pedia que lhe emprestasse uma xicara de pó de café, pois seu café havia acabado ou o que tinha não dava para fazer aquela garrafada curadora, porque café forte dizem que é bom para a ressaca.

Bem próximo de nossa casa havia uma torrefação e sempre que os bons ventos vinham de lá para cá, trazia o gostoso aroma de café torrado, nestas ocasiões minha mãe dizia a um dos filhos: - Vá lá e compre dois pacotes de pó de café e peça aquele que o rapaz acabou de empacotar que está quentinho. Não me lembro de ver faltar o esquenta peito como dizia meu pai.

Em uma das vezes que a vizinha estava pedindo emprestado o pó de café, antes que minha irmã chegasse até o muro com o copo tipo americano bem cheio, meu pai presenciando a cena gritou lá da porta da cozinha, minha filha traga aqui esse café, minha irmã se assustou o que não foi diferente com a vizinha, ao voltar com o café, meu pai mandou que colocasse de volta no pote, e abrindo o armário pegou um pacote e entregando pra vizinha lhe disse:

- Vizinha vou lhe dar um pacote e não precisa devolver.

E lhe recomendou o seguinte:

- Esse café a senhora usa hoje e guarda, sempre que faltar pegue deste pacote.

Não recordo se a vizinha devolveu o pacote, mas acredito que nunca mais pediu emprestado. Nunca lhe perguntei porque agiu dessa forma, mas acho que: - em sua cabeça lhe vinha a festa que virou a noite e que cada cerveja consumida seria o equivalente a quase dois pacotes de café.

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 23/01/2023
Reeditado em 15/07/2023
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