O VELHO GRANDE, A MENINA E O GUAIAMU

Conto da autoria do nosso Julinho Mendes.Parabéns por mais esta obra emocionante! Dos meus olhos também rolou uma lágrima...

Um certo dia, isso não faz muito tempo, uma menina subiu de canoa, pela foz do rio Grande de Ubatuba para conhecer melhor o velho rio, ao encontrar um pequeno praiado resolveu parar para descansar. Tinha no barranco do rio um buraco e no buraco um guaiamu. Criança tem a inocência, tem carinho, tem amor. O guaiamu sabia disso e foi se achegando muito lentamente da menina, não de medo e sim por deficiência física, locomovia-se apenas com as patas do lado esquerdo, as outras ele não as tinham. A menina com as duas mãos no rosto apoiava os cotovelos nos joelhos, observa a aproximação daquele bicho estranho, sem as patas, todo sujo e maltrapilho.

Maltrapilho estava também o rio.

O guaiamu se achegou e na beira da canoa passou a conversar com a menina.

-Oi menina linda, qual é o seu nome?

A menina surpresa, responde ao guaiamu.

-Oi siri, você fala? Meu nome é Bruna!

-Eu não sou siri, eu sou um guaiamu. O que você faz aqui?

-Eu estou ajudando a limpar o rio! Respondeu a menina.

-Éeee! O velho Grande há muito tempo anda sujo, maltratado, e triste. Ele está precisando mesmo de um pouquinho de carinho.

-Você parece triste também, seo guaiamu?

-É verdade, eu também ando muito triste!

-É porque você não tem as suas pernas?

-Não! Essa tristeza já passou, pois eu perdoei quem me fez isso!

-E quem te fez isso?

-Foi um homem mau! Ele invadiu o meu habitat e tentou me arrancar a força de meu buraco, eu segurei numa raiz de mangue e não deixei que ele me levasse; ele então puxou as minhas perninhas e as tirou de meu corpo. Senti muita dor, chorei muito, chorei igual ao dia que levaram minha mãe. Tenho saudades de minha mãe; nunca mais à vi!

-É por isso que você está triste?

-Estou triste por muitas coisas, mas principalmente por este velho que ai está!

-Velho, que velho você está falando?

-O velho rio Grande de Ubatuba que você subiu sobre ele! Você quer falar com ele?

-O rio fala? Perguntou curiosa a menina.

-Para as crianças ele fala! Que ver? -Ô velho! Acorda velho! Fale com a Bruna, velho Grande!

Na margem, ao lado da popa da canoa, uma enorme boca se forma na água, e, em voz grossa começa a falar.

-Oi Bruna, tudo bem? Eu sou o rio, o velho Grande, como eles me chamam.

-Oi rio! O guaiamu está triste por você! Você está doente?

-É verdade Bruna, eu estou muito doente! -Mas que doença você tem?

-Estou sofrendo de inveja!

-Innnveeeeja! Mas isso é doença?

-É a pior das doenças!

-Mas inveja de que e de quem?

-Tenho inveja do guaiamu!

-Mas porque inveja do guaiamu, se nele faltam algumas pernas?

-É justamente isso Bruna! Olhe bem e observe que estão crescendo novas perninhas no lugar das que foram tiradas, elas estão se regenerando e em breve ele terá novas pernas e poderá sair correndo por ai à brincar de novo!

-Aaaah! Então é por causa da regeneração das pernas do guaiamu que você esta com inveja?

-É sim Bruna! Tenho inveja porque eu não consigo me regenerar; cada dia que passa é mais esgoto, mais lixo, mais entulho e diversos tipos de poluente que jogam em mim; estão acabando comigo e não consigo fazer nada. Estou sujo, fedido e sem oxigênio, e com isso, pouco a pouco, estou matando e exterminando os meus amiguinhos; aqui já não existem mais os bagres jundiás, os lambaris, os carás, os muçuns... As tainhas e os robalos já não desovam mais aqui, enfim Bruna, a minha regeneração está sendo impossível.

-É Sr. Rio! Papai também é triste por você; ele fala muito do tempo em que o Sr. era limpo, cheiroso e bonito; fala de seus peixes, de seus pássaros, de sua alegria em ver a criançada a se banhar e a te beber. Sabe Sr. Rio? Quero te pedir um favor! Não fique mais triste e não tenha mais inveja do guaiamu; você vai se regenerar e seus amigos irão voltar. Há pessoas se importando com você, há muitas pessoas que te querem ver bonito e cheiroso novamente e essas pessoas estão trabalhando na conscientização de outras pessoas para que deixem de te sujar e de te poluir. Confie em Deus, pois essa situação vai se reverter. Fique Feliz!

Igual aonde o rio nasce, uma lágrima saiu dos olhos da menina, rolou por sua face e caiu no velho rio. Aquela boca que conversava com a menina abriu um grande sorriso e sumiu.

O guaiamu já estava na beira do buraco e de súbito, também sumiu.

Passarinhos cantavam, paratis pulavam, borboletas zigue-zagueavam sobre o espelho d’água do rio Grande de Ubatuba. Era a presença de Deus. ---------------------------------------------------

Julinho Mendes-------Ubatuba 30/03/2007