Um dia para celebrar a saudade

Uma data que me remete às vivências com minha vó.
Logo cedo acontecia as primeiras orações na mesa do café, batata doce, banana da terra cozida, broa de milho, compunham o cardápio. Ela acordava com ar tristonho, de pesar. Falava baixinho em respeito à ocasião. Recomendava não varrer a casa, não ficar cantarolando e principalmente para não brigarmos. Punha-se a cozinhar o peixe, refogado com batatas e banana da terra e fazer sua frigideira com couve e bacalhau. Sempre vestida com roupas bem compostas, saia na altura da canela e blusas de um tipo de tecido que lembra viscose, em cores neutras e estampas discretas. Coque no alto da cabeça, o que a deixava com rosto mais fino e nariz bem afiladinho. Servia um tipo de vinho suave, antes do almoço, como querendo representar as passagens da Bíblia. Exigia que todos nós, crianças, tomássemos banho e arrumassem os cabelos para poder sentar à mesa. Fazíamos as orações e agradecia pelo alimento. Tudo no mais absoluto silêncio e respeito a memória do filho de Deus, como costumava falar. Essa era uma data que toda a família  reunia todos os esforços para passar juntos. A tarde, após a sesta, que era outro ritual sagrado, costumava contar histórias, umas bíblicas, outras, acredito que inventadas. O luto seguia até o dia seguinte, sábado de aleluia, as recomendações continuavam, dormir cedo, para presenciarmos nos raios solares a ressuscitação de Jesus, nas primeiras horas do dia. Somente após as dez horas da manhã, parecia que tudo voltava ao normal, ou seja, a certeza de que Jesus havia subido aos céus. Incrível seu poder de nos fazer crê em tudo que ensinava. Não me recordo de vê-la falando alto. Depois que minha vozinha partiu para outro plano, minha mãe seguia a mesma tradição, principalmente a de fazer questão de reunir a família na mesma mesa para o sagrado almoço de sexta feira santa. Única data que se dedicava, de fato, ao fogão, uma vez que não era muito fã de dotes culinários.
Ah, vozinha, quantos ensinamentos!
Até hoje, sinto na família essa responsabilidade e respeito, dos mais jovens aos mais velhos. Mesmo todos muito longe, fazemos questão de repetir alguns aprendizados, como reunir quem está próximo para o almoço, cozinhar o peixe usando a mesma receita e nunca deixamos de fazer a frigideira de couve com bacalhau.
Obrigada, minha querida vozinha. Obrigada, minha querida mãezinha.  
Hoje é um dia de saudades!