Homenagem póstuma Desembargador Reinaldo Ximenes TJMG

Magistratura Mineira em Luto. Desembargador Reynaldo Ximenes. Juiz na essência. Amigo dos corações dos Magistrados Mineiros. Referência Nacional. O eterno amigo de nós juízes.

Morre desembargador aposentado Reynaldo Ximenes Carneiro. Faleceu dia 18/05/23, aos 83 anos de idade, em sua cidade natal Elói Mendes. Foi sepultado com muita tristeza, se fazendo presentes cidadãos comuns, parentes, amigos, colegas e juízes mineiros.

Natural de Elói Mendes, no Sul de Minas, o desembargador formou-se na Faculdade Nacional de Direito, pela Universidade do Brasil - RJ (Turma de 1966). Entre 1973 e 1977, foi prefeito municipal de Elói Mendes, tendo, em seguida, ingressado na magistratura. Desde então, atuou nas comarcas de Varginha, Machado, Barbacena e Belo Horizonte.

Além disso, o desembargador foi presidente da Amagis - Associação dos Magistrados Mineiros (1990/91), vice-presidente da AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros (1991/92 e 1998/99), juiz do TRE/MG, presidente do Tribunal de Alçada de Minas Gerais (1996), vice-corregedor Geral de Justiça de Minas Gerais (2004/06) e 2º vice-presidente do TJ/MG e superintendente da Ejef - Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes.

Nenhuma vida é em vão ou sem sentido. Todas vivem seu curso, fazem seu voo, servem a alguém ou a algo de alguma forma, por menor que tenha sido o seu universo ou apertado o seu horizonte.

Mas parece haver vidas em que menos vão e mais sentido cabem nelas. Estamos aqui, neste momento, pranteando uma delas. A morte do Des. Reynaldo Ximenes veio nos lembrar o que sabíamos sem nenhuma hesitação, mas que convivíamos dando por certo e eterno, como, em verdade, costuma acontecer com as maiores bênçãos do nosso dia-a-dia: a vida grande e importante que o Reynaldo vivia vizinha às nossas.

Grande não só pelos 83 anos que passou aqui entre nós, porque desses, se não se pode dizer que foi uma vida curta, certamente que pediam e muito bem poderiam ter se somado a umas boas décadas a mais. Ximenes, pelo o que era e fazia ao mundo, foi embora cedo, ao menos bem mais cedo do que gostaríamos.

O Desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, dedicou 33 anos de sua vida à magistratura, passando por importantes cargos no Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais. Participou ativamente das discussões da Constituinte de 1988, defendendo a autonomia do Poder Judiciário.

Ele, sempre foi tido por Importante não por ser um juiz renomado e ter chegado à função de Desembargador. Seus cargos e funções lhe dignificavam, sem dúvida, mais não é exagero nenhum dizer que ele era bastante maior do que todos eles juntos e empilhados.

Des. Ximenes foi grande e importante porque foi pessoa com P maiúsculo todos os dias dos meses dos anos de seus 83 anos. Foi gente. Foi humano, o que deveria ser o comezinho de toda vida, já que humana na sua ontologia, mas que sabemos não ser. A dureza da vida, material ou subjetiva, forja muito mais comumente pessoas de humanidade minguada, escamoteada, trancada dentro do peito tantas vezes por meia dúzia de vaidades e desejo de insígnias, pela desconfiança dos outros, pelo egoísmo, pelo narcisismo, pela secura da alma.

Des. Ximenes certamente que enfrentou suas durezas – nenhum vida escapa delas. Mas cumpriu o grandessíssimo feito de ter conservado a alma fresca, o coração puro. Coração de menino, coração de moleque.

Reynaldo Ximenes foi voz importante na valorização dos magistrados. Durante a constituinte de 1988, como dito algures, momento no qual os Poderes Judiciário e Legislativo realmente tornaram-se independentes, o desembargador Ximenes foi dos escolhidos para trabalhar juntamente com magistrados de todo o País na criação de um projeto pela autonomia da magistratura. Para realizar tal mister, Reynaldo não mediu esforços se deslocando constantemente a Brasília para demonstrar aos parlamentares que a questão central era a autonomia financeira e administrativa do Judiciário, conseguindo que esses objetivos fossem incorporados à Constituição de 1988.

Ximenes conseguiu chegar aos 83 anos de idade de olho brilhando, sem que o encantamento pelo trivial, pelo simples, pelo dia-a-dia, viesse a desbotar, estas pequenas-grandes instâncias onde, e só onde, pode mesmo morar alguma possibilidade de felicidade real.

Ele sabia disso. Tinha calma numa profissão em que se arranca os cabelos todos os dias, quando não o destino é se tornar uma escarpa de gelo, por proteção, por alheamento.

Tinha jeito com todo tipo de pessoa, independente de origem, de condições. Pobre, rico, homem, mulher livres, sem crimes, ou ofensores dos crimes mais graves, regenerados ou irrecuperáveis.

Todas eram pessoas e a sua pessoa, essa de que falávamos com o P maiúsculo, tinha o dom de achar a pessoa de cada um sob quaisquer circunstâncias, por mais espessas que fossem. Tinha sempre um bolso para guardar um bilhetinho de algum cidadão preso à sua família (que ele daria um jeito de fazer chegar), um elogio pronto a disparar, uma gentileza genuína que lhe escorria nas grandes, mas especialmente nas minúsculas ocasiões, como um encontro no corredor do trabalho ou no restaurante do Tribunal, no meio da semana, no meio do dia.

Des. Reynaldo foi uma unanimidade. Agora, por ocasião do seu crepúsculo, o que se ouve e lê nesses dias sobre ele não são apenas orações, depoimentos de pessoas assustadas com a morte tão perto ou mesmo com a própria circunstância do mal que o acometeu que o levou.

Não. Por trás dessas camadas, nas muitas bocas e corações que vêm se abrindo para lhe levantar uma palavra, um pensamento ou uma homenagem, o que se tem escutado, se conseguirmos realmente encostar os ouvidos rente a esse chão da morte que se estendeu sobre nossos pés, são bocas e corações em profunda e verdadeira pena pela perda dessa pessoa venturosa, mas, mais ainda, bocas e corações que tentam se lembrar de tudo, de alguma coisa qualquer, uma frase, um encontro, um gracejo, uma sabedoria que soltou, da sua forma de agir e ser, para incorporar a si algo desse ser que parecia mais sábio e mais desperto do que a maioria de nós.

Mas essa preocupação é desnecessária. Des. Ximenes já está em nós. Não é exagero. Com sua presença constante por muitos anos, essa presença simples, inteligente, bem-humorada, gentil, amorosa, que adorava o estudo e a arte, ele tocou milhares de vidas, milhares mesmo, de forma muitas vezes decisiva. Por ele, por causa dele, somos todos, não só sua família, por óbvio, mas alunos, colegas, amigos, servidores, uma multidão, melhores e maiores.

Tem vida que pode ser maior e mais importante do que essa que faz de tantas outras maiores e mais importantes? Não tem. Há gente que pode morrer mais tranquilamente que outros. O dever foi mais que cumprido. Na verdade, mais do que o dever foi cumprido.

Des. Ximenes, escute-nos: você é um desses. Deixou-nos cedo, mas quem diz isso é mais nossa saudade e orfandade. Em termos de produzir mudança, significar, deixar aqui a sua marca e o seu trabalho a serviço da vida, já tinha angariado toda a tranquilidade do mundo para que, caso a morte lhe visitasse, como o visitou, já fosse uma visita totalmente cordial. Como você.

Ele construiu sua história na vida pública e entre sua família e seus amigos de maneira exemplar. Além de magistrado experiente e dedicado, vocacionado, nosso querido Ximenes era, acima de tudo, grande figura humana. Amigo, aconselhador, feitor de pontes e de união entre as pessoas, agregador. Um defensor incansável da Magistratura até o último momento. Um farol que sempre nos guiou nos períodos mais conturbados com firmeza e tranquilidade. E que continuará nos guiando com seu legado que fica registrado na história da Magistratura, da Amagis e em nossos corações. Perdemos, acima de tudo, um amigo.

O Desembargador sempre um sonhador obstinado, procurando, ainda, o aprendizado a cada dia, mas, ao lado das lições de Canotilho, Boaventura, Manoel Gonçalves, Jaguaribe, Rawls, Dworkin, Habermas, Gadamer, e outros grandes jusfilósofos da contemporaneidade.

O Desembargador Ximenes, cuja carreira na magistratura mineira só eleva o nome de nossa Instituição, é de saudosa memória! Sua fidalguia e gentileza no trato com colegas, servidores e advogados, eram suas marcas de personalidade. Era também muito afeiçoado à forma e conteúdo em suas decisões, sempre impecáveis do ponto de vista da gramática e da argumentação!.

O nosso desencarnado soube seguir a doutrina singela do velho Jonathan Kent, falando ao jovem Clark: - "Meu filho, se Deus lhe concedeu poderes acima do homem normal, use-os sempre para o bem, nunca para o mal. Não se prevaleça de seu poder para dominar e oprimir. Seja sempre bom". Assim foi o Reynaldo Ximenes.

Sempre dedicou e de forma obstinada uma luta pelo fortalecimento do Poder Judiciário brasileiro. Além de um ser humano sensível, generoso e de espírito elevado, foi um magistrado íntegro, qualificado, trabalhador incansável e comprometido com o aprimoramento do Judiciário nacional.

Que Deus concedeu-lhe poderes acima do homem normal, não temos dúvida. E que ele foi sempre bom, também não.

Dele nos despedimos, na certeza de o carregarmos dentro de nós em alguma medida e, assim, simplesmente não haver despedida possível. Ele segue vivíssimo no exemplo que deu, no fio condutor que nunca deixará de ser para cada juíza e juiz do nosso Tribunal.

Obrigado/obrigada por tudo, Des. Reynaldo Ximenes! Que seu coração-moleque já esteja numa hora dessas brincando de bola de gude e bola de meia em algum ensolarado quintal celeste, junto aos seus que já partiram, e na certeza de um reencontro com todos nós que ainda estamos por aqui, mais cedo ou mais tarde.

Enfim, perdemos um grande jurista e doutrinador, importante tanto para os tribunais quanto para o jurisdicionado brasileiro. Foi um grande ser humano e exemplo de magistrado para todos nós.

Nunca te esqueceremos.

Guaxupé, 19/05/23.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 21/05/2023
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