O Castelo e a Choupana

Ele enrolava seu cigarro de palha, não havia pressa em seu gesto ritmado nem tensão em seu semblante. De cabeça baixa, olhando de frente, via-se o homem com aura clara e brilhante.

Ficava assim uns bons minutos até que o cigarro ficasse fininho e muito bem enrolado. Momentos antes ele picava o fumo com seu canivete bem amolado, e o cheiro exalava pelo quarto já úmido pelo tempo , fumo de rolo e mofo, já se revelava um perfume para seu olfato ... até que ele acendia o cigarro, e o cheiro se propagava com a fumaça impreguinando toda a casa .

Era este o ritual matutino, acordando cedinho , porém antes ele buscava o pão , que gostava sovado, cortando as fatias fininhas como se fosse um binóculo ... passava a manteiga ainda gelada em camada mais que generosa ... exagerada !

Colocava um gole generoso de café com leite na boca, e gostava de chamar de pingado, tinha consigo uma herança caipira que não abria mão, ia buscar em seus antepassados os exemplos da vida simples e bucólica e se sentia pleno, próximo de Deus, como se o linguajar e modos simples fosse o código secreto, a lingua dos anjos ...

Era um anjo sim, com seus olhos meigos e azuis ...

Por onde passasse deixava um rastro de luz, tal qual o arco-íris depois da tempestade, ele era o vagalume de nossas vidas escuras, e o amuleto da nossa pajelança .

O dia era um festival de acordos, depois do cigarro de palha, do leite quentinho, não nessa ordem, tinha lugar também para um bom pedaço de chocolate diamante negro que ele devorava depois de tirá-lo do cofre. Estava pronto para o trabalho e só então mandava abrir a porta de seu escritório onde atuava como advogado.

Por ali passavam dos mais simples seres humanos até os mais nobres dos mortais .... eu o ouvia falar aquele portugues da roça, com palavras estranhas e engraçadas ... e logo em seguida já estava ele a discursar no tribunal do juri com o vocabulário digno de um bacharel .

Quando em minha inocência o interpelei e quis saber o motivo de falar daquela forma simples e algumas vezes com erros gritantes ele me dizia:

- Se falar correto eles não entendem, sou eu quem devo me aproximar para que então possa ajudá-los.

No almoço fazia questão de uma salada simples, tomate, alface cebola e sardinha em lata era o que preferia ...

Mas não abria mão da bacalhoada e nem dos ternos impecáveis feito pelo melhor alfaiate da cidade.

Comprava seus cortes de tecido em São Paulo e as gravatas escolhidas a dedo.

Já de terno acendia seu charuto ou cigarrilha e apreciava cada tragada ... adorava o malte mas nos finais de semana o churrasco regava com caipirinha de pinga dos melhores alambiques do Sul das Gerais e adoçada com mel .

Cultuava o ovo e seus olhos se enchiam de lágrimas ao degustar a iguaria ... era obra de Deus dizia ele ! Sagrado porque era a vida.

Homenageava o mel e o limão ... amante da natureza, temente a fé que não o abandonava.

No bolso mesmo sem acreditar piamente, tinha um patuá de Exu, vermelho e preto, era sua proteção para as ameaças de morte .

Advogado de interior dizia ele, amigos de todos , aceitando uma causa fazia inimigo o lado contrário ... foi assim até o fim ... mas depois de um tempo os inimigos vinham pedir desculpas, e ele os abraçava com docilidade e se convidava para um café com bolão de fubá .

Foi amigo de Presidente, começou tomando café com Wenceslau Braz ainda criança, ia em sua casa e ficava conversando com aquele homem que admirava, era precoce e seus amigos sempre foram os mais velhos .

Aureliano Chaves, um companheiro.

Esteve ao lado da segurança do Médice, mesmo as filhas olhando torto para aquele que era um governo dificil lá estava ele, ali também recebido. Algumas vezes fomos escoltados pela segurança deste governo .

Um belo dia voltávamos de um passeio no campo e resolvemos entrar num restaurante, logo em seguida entra Tancredo Neves, ele nem pensa duas vezes, nos leva até ele para sermos apresentados, batemos longo papo, Tancredo era simpático e acolhedor .

Entusiasta das boas causas, fez teatro da adolescência, foi bancário para ajudar a pagar a faculdade de Direito, neto de Banqueiro, mas filho de Homem simples, ao qual fazia questão de imitar sempre.

-Um dia fui atender a porta, um senhor muito distinto do outro lado queria uma consulta com ele, pedi que aguardasse dentro de nossa casa, algo naquele homem me fizera sentir respeito e admiração, fui correndo chamá-lo, pela minha descrição ele pensou que o senhor fosse da região, roupa em estilo country, bem charmoso para um senhor de sua idade.

- Lá foi ele atender a porta ainda de toalha na cintura, afoito por resolver a questão.

Em cinco minutos volta ele para colocar uma roupa e ficar mais apresentado, simplismente era o Amador Aguiar, dono do Banco Bradesco. Chegando na cidade foi direto à agência do Banco e perguntou quem era o melhor advogado, o que na hora lhe deram o nome dele .

Foi o inicio de uma bela amizade. Descobrimos logo porque ele nos havia transmitido tanto respeito, criador da Fundação Bradesco dando assistência à milhões de crianças, fez sua vida na luta pelo trabalho e permanecia com a simplicidade de outrora . Eram parecidos.

Amante dos belos carros, gostava dos brancos e enormes e na minha infância lembro do Galaxy e do Dodge ele se sentia super confortável.

Adorava usar sapatos brancos e terno de linho branco com sapato preto. E a gravata de bolas coloridas e grandes.

Uma figura linda !

Na volta de uma viagem trouxe dois quadros. Um era um castelo e outro uma choupana na beira do rio e me diz :

- Syl, arruma um lugar e pendura, eu achei tão lindo, acho que ficará ótimo em nossa casa.

- Confesso que achei cafona e relutei mas acabei pregando.

Eu dava aula a noite e chegava ainda com adrenalina e custava a dormir deitava no sofá e ficava olhando aqueles quadros até que entendi a razão de ter ele gostado tanto.

Ele trazia em si o nobre do castelo e também o homem simples da choupana ... se enternecia com o luxo e exaltava o simples .

O simples sempre ganhava.

Amigo de todos sem distinçaõ.

Nobre de alma, simples de coração.

Saudade de seus olhos azuis meu pai querido.

Saudade de seu sorriso e de sua bondade .

Oro à Deus por sua Paz e levo em meu coração a esperança de um dia me reunir a você .

Fica aqui uma homenagem a memória do meu pai .