MEU AMIGO ISALINO

A Amizade está na dimensão do amor, só que numa perspectiva bem específica, embora seus fundamentos têm a vertente comum do amor com que amamos nossos filhos, nossos pais e nosso cônjuge.

No caso da amizade, o amor acaba demonstrando a sua pureza e a sua intensidade na medida em que os amigos são escolhidos não por interesse, caso contrário, não estaria impregnada pelo amor que em sua essência, deve ser incondicional.

Acho mais fácil falar dos amigos que já se foram, pois os comentários não correm o risco de serem encarados como mero oportunismo, bajulação ou coisa que o valha.

Não sei por que, mas hoje fui assaltado pelas recordações de um amigo especial cuja ausência será sentida enquanto eu estiver na terra dos viventes.

Conheci o Isalino ainda na Academia de Polícia de São Paulo, no curso de iniciação funcional de Delegado de Polícia, em 1986. Sua estatura germânica, seus olhos esverdeados, sua voz rouca e amistosa cativavam à primeira vista. Nas poucas vezes que o vi contrariado, brabo com alguém, percebi que ele tinha classe até para esbravejar, pois o fazia em tom de voz que não agredia os ouvidos.

Acabamos indo trabalhar em Carapicuíba, município da periferia da Grande São Paulo. Lembro-me do dia quando encontrei o Isalino preocupado, pois logo na abertura do Plantão na Delegacia de Carapicuíba tinha sido alvo da investida de uma mulher mentalmente desequilibrada. Ele, com a sua educação peculiar, pediu que a mulher aguardasse na poltrona situada ao lado da mesa do delegado de plantão enquanto abria o livro de ocorrências. Em dado momento a  mulher se levantou da poltrona com uma faca nas mãos em preparativo  golpe contra ele.

Depois de uma conversa notou-se que a mulher estava amalucada. Ela queria matar alguém para poder ser presa e somente assim, poderia ficar, pensava ela, ao lado de seu amor, um presidiário que estava recolhido na cadeia local.

Lembro-me que Isalino nem  pensou em tomar medidas criminais contra a mulher, pelo contrário, buscou atendimento médico para  ela.

Assim era o Isalino.

Partiu dele o convite para que eu me inscrevesse no concurso de ingresso na magistratura. Respondi que precisava me preparar, mas ele insistiu e, assim, passamos a “rachar” nos estudos.

Fomos juntos para o exame escrito e me recordo de como ele ficou alegre pelo rendimento mesmo sem saber do resultado.

Fomos classificados para a fase seguinte.

Veio o exame oral e nos revezávamos assistindo as argüições dos outros candidatos e à noite discutíamos sobre as matérias e a preferência dos examinadores sobre determinados assuntos do direito.

No dia em eu seria argüido, Isalino propôs que eu não me desgastasse em nada, assim, passou em casa com seu veículo e me levou até a Praça João Mendes onde só tive o trabalho de ingressar no Fórum Central e tomar o elevador até o 20º andar.

Obviamente, no dia dele, ocorreu a reciprocidade, mas creio que a idéia original deve ser creditada a ele, com sua bondade a toda prova..

No dia em que saiu o resultado final, liguei para o setor de concursos da magistratura e a atendente perguntou se eu podia esperar um pouco, pois a lista tinha sido enviada para ser extraída uma cópia. Segundos pareciam horas, até que a gentil senhora perguntou pelo meu nome e logo em seguida disse em tom risonho: ___”Parabéns doutor, o senhor passou.”

Eu quase explodi de emoção, porém, quis pregar uma peça no Isalino, pois afinal, em toda amizade há espaço para uma brincadeira inofensiva.

Perguntei à funcionária do Tribunal sobre o nome Isalino Gonçalves Rosa. A resposta foi positiva, ou seja, ele também havia sido aprovado. Mantive o aspecto sizudo e  de preocupação e desliguei o telefone desconsolado e em seguida  disse com a voz meio contrariada: ____Isalino, fiquei feliz por minha aprovação, entretanto, estou triste por você não haver conseguido o mesmo.

Isalino como todo bom amigo me tranqüilizou dizendo: ___Que nada Carlão vamos comemorar a tua conquista, eu acho que não era a minha vez.

A sinceridade dele me comoveu de tal forma e fui obrigado a abortar a brincadeira, pois não achei justo sacanear o meu amigo, ainda que por brincadeira.


___Que nada, você também foi aprovado!

___Jura Carlão!

___Verdade Isalino!

Nos abraçamos, choramos, rimos e pulamos como duas crianças.

A ocasião não poderia ser melhor pois era época de aniversário de Isalino.

A esposa dele e os filhos tinham saído.

Uma garrafa de champagne foi pro congelador e quando eles chegaram houve uma uma grande festa  na qual o que se saboreou foi a conquista de uma corrida iniciada e percorrida com muito sacrifício, mas que agora se mostrava o doce sabor da vitória.

O fato de irmos trabalhar em locais distintos impos uma pausa em nosso convívio até que fui surpreendido com a notícia do falecimento de Isalino. Me recordo que já estava no Fórum e em meio há várias audiências, mesmo assim, realizei todas elas  e saí apressadamente para dar adeus ao amigo.  Um, um congestionamento colossal na Marginal do Tietê me impediu de chegar a tempo, fato que me entristeceu muito.

O Milton nascimento tem razão quando canta: “Amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração.” Sei da honradez, caráter e dos valores morais que o Isalino possuía e cujas marcas pontearam a sua existência, orgulho de seus familiares e  amigos.

Amigo! Não pude te dar o adeus, então fique com o meu até qualquer dia!

* Isalino Gonçalves Rosa, foi Policial Militar Rodoviário, Advogado, Delegado de Polícia e Juiz de Direito.