Escritora Clarice Lispector. Enigmática? Ou carismática?

Escrever sobre Clarice Lispector torna-se uma tarefa gratificante, na medida em que a sua história de vida nos permite imaginar tratar-se de uma viagem ao enigma, só decifrado após a leitura completa de sua biografia.

Clarice Lispector nasceu no dia 10 de dezembro de 1920 na Ucrânia, mas teve o transcurso de sua infância no Nordeste brasileiro. No Rio de Janeiro viveu toda a sua existência, excetuando-se o período de 16 anos no exterior acompanhando o marido diplomata, porém dizia sempre que se sentia brasileira. Aos 9 anos, escreveu a primeira obra, intitulada”Pobre menina rica” a qual escondeu atrás da estante porque se sentia envergonhada de escrever.” Entretanto, foi apenas o início e, como uma pessoa determinada , obteve coragem e começou a publicar. Quando, aos 23 anos estreou com “Perto do coração selvagem”, deixou evidenciado aos leitores e críticos que ali se encontrava uma escritora diferenciada e de material literário inesgotável, conforme se comprova na atualidade.

A simplicidade era uma constância no comportamento de Clarice, a qual se definia tímida e arrojada, enfatizando ser “mulher como qualquer outra”

O escritor Carlos Drummond de Andrade, lamentando-se, pouco depois da morte da escritora, há 30 anos, declarou; “Clarice veio de um mistério, partiu para outro, e ficamos sem saber qual era a sua essência”. Drummond, no grande poema dedicado a ela lembrou da dificuldade em posicionar-se diante da realidade, expressando-se;” Clarice não foi um lugar-comum, carteira de identidade, retrato. Não podíamos reter Clarice em nosso chão.”

Por ocasião de ser realizado um seminário sobre os seus escritos literários, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, ela tentou tornar sem efeito supostos enigmas com explicações que transpareciam banalidades. Mesmo tentando demonstrar uma aparente simplicidade, a escritora não obteve êxito em desfazer a convicção de que se estava diante de uma criadora literária bastante complexa.

Clarice inaugurou o que chamava de “livro sem história” ao longo de sua vida e de uma obra que soma nove romances, contos, crônicas de jornal e histórias infantis. Trabalhou sobre o inacabado, o hesitante, o indizível e o que está em contínua fase de não ser concretizado.

A ausência de fatos nas tramas de seus livros corresponde ao acontecimento de seu trabalho literário, desde a estréia marcada pela combinação do estranho e reconhecido. Tão logo apareceu no cenário literário brasileiro, no ano de 1940, a jovem Clarice impressionou críticos e leitores com a invenção de um estilo inédito, resistente até os dias atuais. O último de seus romances, sob o título “A hora da estrela,”concluído em 1977 continuava a surpreender, alcançando notoriedade, contando a história de uma jovem simplória.

A célebre frase; "Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem" deixou evidenciado o quanto era diferente o comportamento de Lispector.

O falecimento em 9 de dezembro de 1977, ou seja, na véspera de completar 57 anos, não impediu que Clarice Lispector permanecesse viva nos corações dos brasileiros, que sempre a consideraram patriota de fato, embora reconheçam que, de direito, fosse cidadã ucraniana.

Esta homenagem simples, como Clarice, deveria ter sido prestada por mim na data de 10 de dezembro do ano passado, quando a magnífica escritora completaria 87 anos de nascimento, mas, somente agora pude concretizá-la, emocionado e honrado, pois faço parte dos milhares de seus admiradores.

Fonte; revista Entre Livros, edição nº 21, de janeiro de 2007.

Demarcy de Freitas Lobato (Em memória)
Enviado por Demarcy de Freitas Lobato (Em memória) em 10/02/2008
Reeditado em 18/02/2008
Código do texto: T853541