O Cabeleireiro

O Cabeleireiro

Armstrong

Havia mais de cinqüenta anos que vinha cortando cabelo e aparando barba e bigode da população. Sempre em sua vida de cabeleireiro procurou ser o melhor. As crianças o adoravam tanto pelas conversas de palavras simples como pelo tradicional pirulito que sempre era servido aos pequeninos que, ansiosos, esperavam sua vez de derrubar a cabeleira. Mesmo que a fila de espera fosse grande, pressa ele não tinha: quem quer que estivesse sentado em sua tradicional cadeira relaxava a tal ponto que, alguns, chegavam a cochilar.

Quando o sindicato de sua categoria resolveu promover um concurso para a escolha do melhor cabeleireiro da cidade, procurou ouvir homens de vários bairros e de várias faixas etárias. Para seus colegas de trabalho o resultado final não chegou a ser surpresa, a não ser pelo fato de ter sido escolhido como o cabeleireiro do século, recentemente findo. Esse prêmio era o reconhecimento de uma vida de trabalho dedicada aos que procuram estar em dia com a aparência e o bem-estar.

Durante mais de um mês foi festejado e aclamado. Mesmo aqueles que não conheciam o seu trabalho, depois da premiação, ficavam encantados ao observarem com que dedicação atendia a seus clientes. E foi ao longo de um demorado corte de cabelo, barba e bigode que ele contou aos que estavam mais atentos ao seu trabalho, de sua experiência mais difícil.

Já estava concluindo mais um dia de trabalho quando foi procurado pelo pai de um jovem rapaz que havia falecido após ter estado três ou quatro meses doente. Seu aspecto não condizia com sua tenra idade: estava bastante cabeludo e barbudo. Era preciso fazer um serviço de mestre e prepará-lo para o velório que ocorreria naquela mesma noite. Apesar de estar muito cansado aceitou esse desafio.

Ao chegar à casa da família enlutada, foi conduzido até o quarto onde jazia, em uma cama, o corpo do rapaz. Com a ajuda da família conseguiu colocá-lo em uma cadeira de balanço, tornando possível a realização do trabalho. A família retirou-se do quarto, o que lhe deixou num estado de tensão ainda maior.

Sempre em sua vida de cabeleireiro trabalhou conversando com seus clientes, ouvindo e contando histórias de vida, e agora estava a fazer um trabalho sem conversa alguma, ou melhor, sem som algum. No silêncio daquele quarto, durante todo o tempo, lhe pareceu conversar em silêncio com aquele rapaz, como se procurasse saber como tinha sido a sua vida ou como gostaria que lhe fosse cortado o cabelo ou aparado a barba. Um frio na espinha lhe ocorreu quando o falecido tombou a cabeça para frente, como se vivo estivesse. Foi um trabalho difícil, diferente, que durou cerca de trinta minutos que lhe pareceram uma eternidade. Ao final, nem precisou usar um espelho para mostrar ao seu cliente o resultado de seu trabalho: um leve sorriso no rosto do falecido lhe parecia de satisfação. Estava mais jovem, pronto para receber seus convidados que já estavam chegando para o último adeus.

A família, satisfeita com o serviço, ofereceu-lhe uma boa remuneração, que o cabeleireiro recusou. Fez aquele serviço com o coração. Sabia que, se não o fizesse, poucos o fariam. Foi a sua missão maior, e a fez da melhor maneira. Nenhum dinheiro lhe pagaria por isso.

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Homenagem ao grande mestre Antônio Marcondes (Up to Date - Shopping Iguatemi - Belém), escolhido como o Cabeleireiro do Século XX, o qual, durante muitos anos foi o responsável pela boa aparência capilar de meu filho. Um grande mestre!