O Melhor Amigo

O Melhor Amigo

Armstrong

Naquele tempo, início do século XX, para todos os que moravam naquela pequena comunidade de um pequeno município do interior da Amazônia, a luta pela comida significava uma conquista quase que diária no mato ou no rio. Quando não dava para pescar nem para caçar, recorriam aos animais de criação. Quase todas as famílias tinham suas criações: porco, galinha, pato, peru etc. A caça, no entanto, era o símbolo da supremacia do homem sobre os outros animais. Caçar era lutar para conseguir algum animal cujo sabor já era conhecido, como a Anta ou a saborosa Paca. Às vezes caçar era uma oportunidade também de se ganhar algum dinheiro vendendo a carne excedente, ou de se manter as amizades entre os vizinhos dando a eles uma parte do que se conseguia. Mas era perigoso. Naquela comunidade quase todos os que caçavam tinham histórias para contar de mordidas de Cobra, ataques de Onça ou do temido Porco do Mato. Para ajudar nessa luta os moradores tinham os seus sagrados e fiéis cães de caça.

O velho Juca com a responsabilidade de alimentar mulher e seis filhos não se intimidou naquela quinta-feira de chuva fina do inverno amazônico. Não era um bom dia para caçar, mas com a ajuda de seus dez cães, liderados pelo corajoso Valente, e de sua velha espingarda de chumbo, logo cedo, entrou na mata com aquela esperança de, naquele dia, comer um Porco do Mato, o qual muitos chamavam de Queixada, de aparência semelhante à do Javali, cuja carne era muito consumida pelos moradores do lugar. Já tinham se passado mais de duas horas desde que saíra quando seus cães começaram a latir desesperadamente e viu, à distância, um enorme Porco do Mato. Quando estava mirando para atirar percebeu, pela movimentação dos cães, que estavam cercados. Dezenas de Porcos do Mato fizeram, inteligentemente, um cerco aos caçadores, que ia se fechando cada vez mais. Desesperado, Juca subiu em uma touceira de saúvas, de cerca de um metro de altura e, sem poder atirar, defendia-se do ataque desses animais batendo em suas cabeças com a espingarda, enquanto seus cães lutavam para protegê-lo. Valente puxava um dos agressores pelo rabo na tentativa de impedir que seu dono fosse mordido. A batalha durou poucos minutos e, ao final, Juca pode atirar matando um único Porco do Mato e assustando os demais que fugiram em todas as direções.

Juca tinha que se afastar rapidamente dali pois um outro ataque, nessas situações, sempre ocorre um tempo logo depois. Viu que vários de seus cães estavam mortos. Já se preparava para cortar o animal morto quando ouviu gemidos. Era Valente que, mortalmente ferido, pedia por ajuda. Juca não pensou duas vezes, largou o animal morto e, usando seus dois braços, como quem carrega uma criança doente, saiu correndo dali carregando aquele que ajudara a salvar sua vida.

Valente foi tratado e ficou bom, mas aleijado das pernas. Nunca mais caçou. Mas é certo que, se os cães falam entre si, deve ter contado esta história aos outros que lá moravam como um grande exemplo de solidariedade humana, que deve ter ajudado a consolidar aquela velha frase de que o cão é o melhor amigo do homem. E vice-versa.

(Homenagem ao meu avô José Francisco Alvarez, o Juca)