A Grande Vitória

A Grande Vitória

Armstrong

Quando o navio da Marinha chegou foi uma festa só. Todos correram ao único trapiche daquele pequeno município do interior da Amazônia, na certeza de que alguma coisa boa iria acontecer em suas vidas. A maioria já conhecia a importância da presença anual daquele navio para a cidade. Vieram médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos etc., que, mais uma vez, tinham uma grande missão social a cumprir naquela cidade.

Durante alguns dias o navio ficou ancorado naquele porto e, aos poucos, os marinheiros iam atualizando o conhecimento sobre a cidade, o povo, seus problemas e procuravam ajudar com as ferramentas que tinham trazido. Nas noites desses dias as mocinhas se preparavam como podiam na esperança de arranjar alguma coisa, e logo cedo já estavam desfilando na Praça da Igreja Matriz, que ficava tão cheia de gente como nos dias de festa do santo padroeiro. Os marinheiros, com suas alvejantes fardas brancas também desfilavam garbosos pela praça, mas ao contrário do que alguns poderiam pensar, estavam trabalhando. Até certa hora da noite, que não passava das dez, procuravam conversar com o povo sobre as riquezas do lugar, sobre as carências, sobre de que forma esses problemas poderiam ser resolvidos etc. Era expressamente proibido namorar. Tudo isso fazia parte da missão dos marinheiros naquela cidade, e tinha que ser colocado em relatório por um supervisor que estava sempre atento. À meia-noite a luz piscava alertando a todos que dentro de mais alguns minutos seria desligado o motor gerador.

No domingo à tarde houve um jogo de futebol entre o time local e o time dos marinheiros, que a essa altura, já eram bastante conhecidos das pessoas. Todos correram para o único campo da cidade, que ficou com suas laterais lotadas de gente, já que não havia arquibancadas. O juiz, claro, pertencia à comunidade local. A partida mostrava, nitidamente, a superioridade física e técnica dos jogadores da Marinha, que faziam jogadas belíssimas e o povo vibrava. Mas, para a surpresa de todos, o primeiro gol foi do time local, o que deixou os torcedores rindo de orelha a orelha. Os marinheiros partiram com tudo para cima e logo empataram o jogo. Mais um gol do time local, e passado algum tempo, novo empate dos marinheiros. Veio o segundo tempo e o cansaço tomou conta do time local, mas não dos marinheiros, que continuaram mostrando qualidade em suas jogadas e errando as finalizações. De repente um pênalti a favor do time local, que convertido, deixou os moradores mais aliviados. Mas, como tinha ocorrido durante toda a partida, mais uma vez os marinheiros empataram, já quase no fim do jogo. Todos saíram de campo felizes com o resultado e foram comemorar tomando banho na praia. À noite, com a missão cumprida naquela cidade, o navio da Marinha partiu para mais uma missão. O Comandante, satisfeito com o resultado do jogo, exclamou para o supervisor:

-Perder, pode. Empatar, se for possível. Vencer, jamais!

(Metáfora sobre o verdadeiro sentido da vitória, escrita em decorrência da presença do autor no município de Senador José Porfírio (PA), em 1976. Homenagem ao seu tio Benedito Alvarez)