E VIVA ÀS MANHÃS

Eram cinco horas da manhã quando acordei por causa de um barulho na rua. Abri a janela do meu quarto para contemplar o dia amanhecendo. No silêncio fresco e restaurador, quebrado apenas pelo cantar alegre dos sabiás e bem-te-vis, saí vagando em pensamentos, experimentando as mais doces sensações de liberdade. Reparei na aproximação do astro rei, exuberante por exercer função tão nobre, com seus raios luminosos decorando o horizonte. Era mais um dia que acordava.

Pensei no sentido oculto desta palavra. Quantos acordando para um novo dia, sem, contudo, terem acordado para a vida. Quantos banhos perfumados os homens não tem tomado, sem que o frescor lhes alcance a alma, vestes brilhantes que lhes realçam a beleza física, enquanto o espírito reduzido em frangalhos sente falta da própria luz. Farturas compõem mesas enquanto almas desnutridas se arrastam a espera de idéias que lhes dêem substâncias. Músculos fortalecidos em alma franzina, lábios ostentando preces contrastando com o vazio do coração, padecente e solitário.

Nessa hora uma linda sabiá pousou pertinho da minha janela me trazendo de volta, colocando risos em meus lábios. Tive que concordar com nosso amigo Reginaldo Alves de Araújo quando em um passeio pelo Belmar Fidalgo, embriagado de encanto por esses pássaros que embelezam nosso céu, fez um comentário emocionado, registrado em sua última crônica (BELMAR FIDALGO MAIS, SABIÁ, MAIS...) publicada no ARAUTO (edição janeiro/fevereiro de 2008).

Quando o ar amornado pelo sol sorveu as primeiras gotas do orvalho caído sobre as flores, os pássaros ainda brincavam num clamor contagiante, valorizando as duas árvores que Alamir plantou logo que construímos nossa casa. Toca meu coração vê-las assim tão belas e tão nobres, feito um oásis de energias salutares.

Olhei então minha cidade que acordava lentamente, seu colo sereno e acolhedor se revelando um porto seguro para tantos exilados neste chão moreno. Ainda fiquei assim por algum tempo deliciosamente pensando... no quanto acordar todo dia é um renascer sagrado e uma oportunidade querida, não somente para quem queira abrir os olhos da matéria, mas o despertar do próprio espírito.

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Luzia Câmara Ozarias
Enviado por Luzia Câmara Ozarias em 07/04/2008
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