O CAÇADOR

Quando eu possuia um pequeno sítio na Mata da Oncinha, zona rural de Abaeté MG, vez por outra eu levava alguns peões para fazer serviços de aceiros, capinas, recuperação de cercas, etc. Eu ficava na sombra, como se fosse um capitão do mato, fiscalizando e dando palpites. À tarde eu reunia os peões no alpendre da casa, levava um garrafão de pinga e ia beber com eles, escutar e contar causos.

No meio deles havia um certo Chico Mateiro, que após beber algumas pingas contava seus causos. Ele dramatizava o causo, gesticulava, negaceava, agachava, rastejava, fazia onomatopéias, prosopopéias, a gente quase morria de rir.

Ele contou um causo que nunca vou esquecer:

-Eu morava ali no Gamelão, e uma veiz apareceu uma onça atrivida lá, comendo leitões, galinhas e até um bezerro. Risurvi caçá ela. Peguei minhas traia: Cartuchera calibre 20 de dois cano, revorve Cort cavalinho, faca damacena com dois parmo de lama, afiada que nem navaia, dois cachorro perdiguero e fui pro mato. Sortei os cachorro que im poco prazo infiaro num capão de mato e já cumeçaro a latí. Logo iscuitei um isturro e um ganido de cachorro seno istripado. Outro isturro outro latido. Tirei a espingarda do ombro e preparei. Num demorô e a onça saiu do capão,

quebrando mato que nem um trator de istera, correndo pra minha banda. Ela urrou assim:

E deu um berro, imitando a onça, que eu quase cai do tamborete.

-Levantei a ispingarda apontei pra onça, inquadrei ela na arça e na massa de mira - deu até pra vê os branco dos óio dela- armei os dois cão e puxei os dois pinguelo...

Parou para acender o pito, fazendo suspense. Eu perguntei:

-Acertou ela?

-Qui nada, ispuleta véia, porva derrancada, o tiro num saiu.

-E aí, perguntei curioso.

-Miti a mão na cintura, ranquei o 38 apontei com as duas mão pra cabeça da onça que urrou assim:

E deu outro berro que os vidros da janela balançaram.

Parou de novo para beber uma pinga.

Eu já havia roido todas minhas unhas na expectativa.

Ele continuou:

-Puxei 6 veis o pinguelo, rodei todo o tambor e o revorve num tinha bala...

Parou de novo para reacender o pito que tinha apagado.

Bebeu outra pinga, ajeitou a ponta do cigarro com a unha do polegar. Eu fiz uma pergunta absurda:

-Pelamor de Deus, sô Chico, conta logo se a onça comeu o senhor...

-Aí, eu joguei o revorve pro lado, passei a mão na faca e onça já tava pirtinho de mim, ela deu outro urro assim:

E aí ele se superou, deu um longo berro, foi ficando roxo, seus olhos quase sairam das órbitas, e eu temi que ele sofresse uma síncope.

-E aí? tornei a perguntar.

Ele deu dois passos para trás e falou sem graça:

-Eu borrei nas carça.

Silêncio total, constrangimento geral. Eu querendo quebrar o gelo falei:

-Não é vergonha não sô Chico, se uma onça viesse correndo e bufando para o meu lado eu também me borrava todo...

Ele respondeu com um sorriso mais amarelo que a camisa da seleção:

-Não, não, eu num borrei foi lá não, eu borrei foi aqui agora, remedano a onça...

* * *

HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 08/07/2008
Código do texto: T1070235