O Juiz Maluco

Juliano, seu filho da p.........taaaaaaaaaaa!

O chamado do magistrado pelo seu pequeno filho Juliano, da janela do sobrado onde moravam, numa longíncua comarca do interior de Minas, ribombava aos quatro cantos e nos ouvidos dos alarmados vizinhos que, diante de tamanha insensatez, intimidavam-se, atemorizados, caso viessem a precisar da Justiça. Assustados, assistiam o magistrado esbravejar diariamente com o filho e a troar o seu vozeirão amplificado sob um respeitável bigode, quando dialogava com a sua frágil e tímida esposa. E isto era pouco, diante dos tiros de trinta e oito disparados debaixo do berço do filho caçula, à cata de morcegos.

Se aquele pacato povo daquela pequena cidade já vivia, anteriormente, em permanente estado de paz, agora, com este tresloucado juiz, é que não desentenderiam por nada deste mundo!

A notícia do magistrado brabo ganhou terreno, partindo do epicentro até as localidades adjacentes, promovendo uma lobotização em massa, onde ninguém, nem os mais agressivos, queria ter um encontro com aquele agitado inquisidor.

Mas, como todos sabem, maluco tem medo de maluco. Justamente em frente ao sobrado, onde residia o escandoloso julgador, morava um, não menos hilário dentista, que pouco se lixava para quem quer que fosse, visto ser temido por todos, devido ao poder, naquela época, do seu terrível motorzinho a pedal, de baixa rotação, da longa e tortuosa agulha de anestesiar molares, e pior, da agulhinha rosqueada para extirpação de nervos pelo canal do dente, que o mesmo manejava como um esgrima, e, ainda, a sua arma mais brutal, o famigerado boticão!

Na sala de espera do seu consultório havia um desenho emoldurado em dimensões maiores que de uma folha ofício, em que o Amigo da Onça (personagem do cartunista Péricles Andrade Maranhão), estilizado como dentista, arrancava pela boca o esqueleto de um paciente, puxando-lhe pelo dente, com sua terrível ferramenta.

O dentista dava tiros de Flaubert em animais que invadiam os jardins da sua casa, atirava pedras de estilingue nos malandros que paqueravam as suas filhas, quando passavam à porta, surrava à taca os cães do vizinho que assustavam a sua caçula, puxava pelas orelhas os meninos mais velhos que batiam nos seus filhos, xingava à viva voz todos os que lhe aborreciam. Fazia tudo isto, e muito mais, sob o curioso e desconfiado olhar do magistrado que, de pijama, já no cair da tarde, assistia tais atos da alta janela de sua casa. Os dois se davam muito bem, conversavam suavemente um com o outro e suas esposas ficaram muito amigas e até confidentes e os seus filhos também. É que o temido juiz, que não tinha lá dentes tão saudáveis, morria de medo dos tais ferrinhos e o dentista era o único nas proximidades! A vida é assim, todo poderoso tem o seu ponto fraco e o dentista também tinha o seu. Mas esta é outra história.

Nota: Memórias de infância. Quem é da terrinha e da época lembra-se muito bem.

Agradecimento: Agradeço a poeta amiga Scarlett Ohara pela correção do criador do Amigo da Onça, que no original deste texto registrava o Stanislaw Ponte Preta.

Di Amaral
Enviado por Di Amaral em 10/09/2008
Reeditado em 06/03/2011
Código do texto: T1171452
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