Pra casar ou pra que é?

Esses meninos moderninhos, cabelos amarrados em rabo-de-cavalo, cheios de papos furados e de desprezo pelos mais velhos, eternos ficantes das mais lindas gatinhas, que nunca abriram um dicionário para saber o que significa o vocábulo “casamento”, ainda correm alguns riscos de se darem mal, caso não percebam que estão lidando com um cabra da peste que ainda lava a honra com uns tiros de espingarda ou umas peixeiradas, pois isso por aqui, no meu bravo Nordeste, ainda existe, viram?

Pois vou lhes contar uma história sobre o assunto.

Sebastião, coronelão de uma cidade do interior que, segundo se presumia, já tinha enviado uns cinco ou sete para a cidade dos pés juntos, tinha duas filhas solteiras e naturalmente desejava ardentemente casá-las, pois em certas cidades passar dos 18 sem casar é constrangedor para uma moça: dizem logo que ela ficou no caritó, ficou para titia, ou alguém mais esperto comeu a fruta proibida e deu no pé.

Por isso, Sebastião vivia doido para encontrar um bom partido para passar o abacaxi à frente. Não seria difícil com relação a Juliana, tinha 17 anos e era linda de morrer, vivia cercada de namorados; mas, para Expedita, o negócio estava sinistro: feia como um processo, baixinha e gordota.

Então aconteceu que apareceu pela cidade um desses meninos moderninhos, um tal Luciano Lero, que fisgou o coração da ingênua Juliana. O coronelão não ficou muito satisfeito, devido ao jeitão do moço: cabelos amarrados, brincos nas orelhas, cheio de piadinhas e de ditos espirituosos e, ainda por cima, violeiro de profissão. Mas o coronel não quis perder a oportunidade de casar uma filha e foi deixando o tempo passar.

E o tempo passou demais...

Com um ano de namoro, o coronel chamou Luciano Lero para uma conversa séria. E foi direto ao assunto:

- Afinal, cabra, tá namorando com a minha filha pra casar ou pra que é?

Luciano Lero respondeu com um sorriso cínico:

- Sô, acho que é mais pra que é.

O coronel fechou a cara, foi lá dentro, fez alguns chamados em voz baixa, e voltou, acompanhado de Expedita, toda de branco, e de uns jagunços fortemente armados. A menos potente daquelas armas faria um buraco do tamanho de uma laranja na barriga de um cabra.

O coronel pegou Expedita pela mão, puxou um trabuco enorme, e perguntou, apontando direto para a testa de Luciano Lero:

- E esta aqui, é pra casar ou pra que é?

Antes da resposta, os jagunços engatilharam as escopetas.

Luciano Lero engoliu em seco, suava abundantemente e mal podendo conter a tremedeira nas pernas, balbuciou:

- Mas não era para casar com a outra, a Juliana?

- Era, mas mudei de idéia. Se casar com a Expedita, hoje mesmo você será meu genro; se disser não, em dois minutos será um presunto. E o tempo tá passando, cabra: é pra casar ou pra que é?

- É pra casar, meu senhor...

Assunto resolvido, as armas retornaram aos coldres e o juiz foi chamado às pressas.

A vida é bela, mesmo casado com uma rotunda baranga...

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 09/10/2008
Reeditado em 07/12/2008
Código do texto: T1219603
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