O CARRO FUNERÁRIO

É... A situação tá mais preta que mão de mecânico. O desemprego, no Brasil, tá mais alto que o “Empire States”. Como o horizonte ainda está nublado, e a galinha tá fritando ovo pra matar a fome, meu primo, desempregado há anos, estava aceitando qualquer coisa, desde coroinha a cafetão.

Preenchia ficha aqui..., preenchia ficha ali..., mas chamar que é bom... “necas de catibiriba”.

Foi quando apareceu um emprego de agente funerário. Salário pequeno, menor que irmão gêmeo de anão. Então lhe perguntei:

- Primo, você vai encarar? Arrumar defunto no “paletó de madeira”, e depois ter de levá-lo, dirigindo aquele carro funerário, muitas vezes sozinho com ele, até sua derradeira morada?

Quando meu primo respondeu:

- Sabe, eu tô sofrendo mais que suvaco de aleijado, minhas dívidas estão mais acumuladas que a mega-sena em final de ano. Então...

Coitado do meu primo... Foi ele, afinal, arregaçar as mangas...

- Olha, eu não sabia que muitas vezes vocês, (papa-defuntos) utilizam até maquiagem, a fim de dar uma boa apresentação de seus “clientes” para quem, por eles forem chorar. - disse meu primo ao orientador desse “concorrido” serviço.

Bem, passado algum tempo, encontrei meu primo em sua casa, e fiz as perguntas, as quais, se você estivesse no meu lugar, faria também:

- E aí? Como é que você está em seu emprego novo? Alguma história interessante sobre ele?

- Primo, nem te conto! – respondeu-me ele. E continuou:

- Cada dia é uma novidade, menos o meu soldo, né? Mas enfim, são ossos do ofício. Não gosto muito de falar em ossos, mas esses são do ofício! – concluiu ele, sorridente.

- No primeiro dia, tive de buscar um “véio” que jazia há mais de três dias. Morreu em sua casa, debruçado na mesa, com uma garrafa de pinga na mão. Foi fácil colocá-lo no caixão, o difícil foi tirar a garrafa da mão dele. Aí, pensei: Esse não larga o vício nem morto.

- Outro dia fui chamado a um acidente na estrada. Pelas condições que o defunto se encontrava, acho que não dava pra aproveitar nem seu espírito.

- Também teve um caso que uma dona se matou, tomando um litro de perfume. Quando entrei no quarto dela, inspirando aquele aroma tremendamente exagerado, o qual tomava conta de cada canto do cômodo, fiquei tão doidão que coloquei seus pés na cabeceira da urna. Acho que até o céu, onde penso que ela se encontra hoje, deve estar todo perfumado.

Nessa altura da conversa, disse para meu primo:

- Chega dessas histórias por hoje, primo. Já é tarde da noite e eu preciso ir embora.

Em seguida, ele me disse:

- Pode deixar, pois como está a pé, levarei você para sua casa.

E antes que eu negasse tal ajuda, lá estava eu, sentado no carro funerário, ao lado de meu primo, indo para minha casa.

Que sensação mais tétrica a minha, sentado no banco daquele carro. Mas não deixei transparecer, para não chateá-lo.

Entre uma conversa e outra, passamos na rua lateral de uma escola municipal, a qual deu para perceber, olhando pela rua que dava de fundos para aquele estabelecimento, um grupo de jovens, ali “mocozados”. Naquele local ermo e escuro, o que será que eles estavam fazendo? Fumando “cigarrinho do capeta”, é claro! Deduzimos facilmente, eu e meu primo.

Apesar de ser dura a vida dele, isso não fez com que ele perdesse o seu lado brincalhão. Foi quando, olhando para mim, meu primo, com olhar de quem iria praticar uma tremenda sacanagem com os jovens, deu a volta no quarteirão. Entrando naquela rua vazia e escura, desligou os faróis, e ligando a toda o giroflex de cima da “viatura”, cujas luzes brancas e amarelas piscavam mais que salão de discoteca dos anos 80, fazendo um tremendo “fuzuê”, colocou a cabeça para fora da janela do carro, e gritava, aos brados, para os “malucos”.

- Mãos na cabeça! Aqui é a polícia!!!

Eu só vi uma correria descontrolada, mais parecia com estouro de uma boiada, rua abaixo. Naquela hora não consegui me segurar, e a cervejinha que tomara com ele em sua casa fez até efeito antes do tempo, devido a seu alto poder diurético.

Encostamos a “viatura” numa esquina e, por alguns minutos, não conseguíamos parar de rir. Quando conseguimos controlar nossas “emoções”, pusemo-nos a voltar para minha casa.

Ao chegarmos lá, estacionando ele o carro fúnebre defronte minha casa, meus vizinhos já estavam a colocar suas caras curiosas nas janelas para olhar aquela inusitada “barcaça”, a qual estacionara ali.

Então comecei a chamar minha mãe:

- Ô, mãe! Abre o portão, pois estou sem as chaves!

Quando ela abriu a porta de casa e deu de frente com aquele visual “macabro”, gritou, assustada:

- Ai, meu Deus!!! Quem foi que morreu???

Em seguida, ouvindo, aliviada, as gargalhadas “metálicas” do meu primo, que mais pareciam o cantar de uma araponga desvairada, falou:

- Mata a “véia”, mata! Depois desse susto, estou a ponto de te pedir carona, só que no banco de trás desse carro!