O GLORIOSO FÉLIX I

Quando, no final da década de 50 ou começo dos anos sessenta (é claro, do século XX!), os Estados Unidos e a União Soviética se meteram a conquistar o espaço — menos por este objetivo em si mesmo e mais porque quisessem conquistar um ao outro — a Rússia deu a partida, lançando nas alturas o primeiro “satélite artificial”, que era como a imprensa se referia ao pioneiro sputinik.

O artefato não passava de uma esfera metálica, espetado de antenas, cuja única proeza era a de emitir uns “bips”, que permitiam o seu rastreamento, por várias estações na Terra, enquanto durassem as suas baterias. Os soviéticos exultaram de alegria e os norte-americanos se “roeram” de inveja.

Algum tempo depois, animados pelo sucesso, os russos mandaram ao espaço uma nave, se não “tripulada”, pelo menos ocupada por uma passageira singular: a Laika, uma cadelinha que desempenhou o histórico e triste papel de provar ao mundo que um ser vivo poderia ir além de onde chegavam os “aviões de carreira”, tanto quanto poderia morrer por lá mesmo. E, de fato, foi uma viagem sem volta, porque os soviéticos já haviam descoberto uma maneira de mandar uma criatura para fora da atmosfera terrestre, mas não sabiam ainda como trazê-la de volta.

O Tio Sam, seguindo a mesma trilha, mandou um macaco lá prá cima. Só que, se não me engano, com passagem de ida e volta. Na sequência dos fatos, houve o voo do Yuri Gagarin, o primeiro homem a ir ao espaço extra-atmosférico, pelo menos, segundo os registros oficiais. Os norte-americanos correram atrás do “prejuízo” de sua imagem perante o mundo e injetaram aquele montão de dinheiro no Programa Espacial. Porque, já que tinham perdido a vez de serem os primeiros a mandarem um homem ao espaço sideral, teriam de ser os primeiros a levarem um homem até a Lua. Estava estabelecida a competição. O que a União Soviética fazia em segredo, só mostrando os resultados, os Estados Unidos faziam com o maior estardalhaço. E assim, cada qual no seu próprio estilo, foi caminhando a chamada corrida espacial, com acidentes e perdas, inclusive de vidas humanas, de ambos os lados.

Foi quando o Brasil, saliente como ele só, resolveu entrar também na corrida pela conquista do espaço superior. Aliás, esta é bem uma característica do nosso país. O Brasil parece um desses meninos que adoram se meter em conversa de gente grande: dá uns quatro palpites que não foram pedidos, leva uns três “passa fora moleque” e acaba saindo da sala, com aquela cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança.

Por obra e graça da recém inaugurada ditadura militar de 1964, escolheu-se um lugar do litoral nordestino, nas cercanias da cidade de Natal, ali instalando a base para os lançamentos do programa espacial brasileiro: a chamada Barreira do Inferno. Uma região que eu conheço bem e, não custa lembrar, é um verdadeiro monumento à exuberância da natureza. E, neste caso também, à falta de discernimento de alguns governantes que este país já teve.

Na verdade, o tal programa espacial brasileiro nunca chegou mesmo a decolar. Além do lançamento de alguns foguetes de pequeno porte — a maioria deles adquirida no exterior e, muitos dos quais, já na condição de quase sucata — o Brasil nunca foi além do estágio de “observação meteorológica” em sua aventura cósmica.

Mais recentemente, tem a viagem do “primeiro astronauta brasileiro”, numa nave russa, por cujo passeio o contribuinte brasileiro desembolsou algo em torno de U$11 milhões de dólares. Realizou-se, assim, um sonho antigo do oficial da aeronáutica, Marcos Pontes, sem que conheçamos nenhum resultado prático dessa viagem para a pesquisa espacial neste país, além da injeção de ânimo no orgulho nacional.

Mas, voltando ao início de tudo e para que ninguém diga que estou sendo movido pela má vontade e que o nosso país não foi capaz de ousar, na tentativa de conquistar o Cosmo, devo lembrar que, seguindo as pegadas da cadelinha russa e do macaco norte-americano, também tivemos a oportunidade de mandar o nosso mascote ao espaço. Foi um gato, bichano por demais expressivo para simbolizar uma conhecida tendência de um grande número dos nossos políticos.

A missão chamou-se Félix I, o que permite supor estarem planejando o envio de outros “gatos” ao espaço. No entanto, pelos resultados dessa missão inicial, parece que o plano foi encerrado com o lançamento do glorioso Félix I e Único, o que mais lembra aos brasileiros o título de um Rei Momo, do que o de um exuberante astronauta de quatro patas. E tudo porque a experiência não deu certo. Embora, na ocasião, a censura já estivesse amordaçando a imprensa do país e o fato tenha sido pouquíssimo divulgado.

Feitos os preparativos, com o foguete propulsor montado na base de lançamentos e o felpudo devidamente examinado pelos veterinários de plantão e instalado na ogiva que lhe fora destinada, procedeu-se à contagem regressiva. Acionada a ignição, o projétil partiu, elevando-se do solo por uns poucos instantes. Menos de três minutos, pelo que me lembro. E, então, explodiu em voo.

Foi a primeira vez — e também a última — que choveu carne de gato, sobre o território do Rio Grande do Norte.