A SOCIEDADE NEM MUDOU TANTO ASSIM...

Nos tempos do Fernando Henrique Cardoso, andou circulando pela Internet uma piadinha, segundo a qual o presidente da República teria chamado ao Alvorada o Walter Mercado, aquele picareta que, com sotaque portenho, vendia pela tevê o direito de se conhecer o futuro e de se encontrar a felicidade pelo telefone.

Pela anedota, o presidente, meio angustiado com a sua queda nos índices de aprovação pela opinião pública, queria saber o que o futuro lhe reservava, em termos de popularidade. O homem do “ligue djá!” teria fechado os olhos e, após alguma concentração, começou a dizer, com o seu sotaque carregado:

— Vejo-o em um carro, passando por uma larga avenida... Enquanto o povo, aglomerando-se de ambos os lados, acena para o senhor...

— E o povo está feliz? Interrompeu o presidente.

— Sim... Muito feliz! Esclareceu o vidente.

— E eu, também estou acenando para o povo? Tornou a perguntar um ansioso FHC.

— Não senhor... Respondeu o Walter Mercado. E arrematou dizendo: porque o caixão está lacrado...

Acho a historinha, que já foi adaptada para outros políticos, bem divertida, sobretudo porque me lembra o fato de que, muito antes de a mídia televisiva entupir as nossas casas com tudo quanto se pode vender pelo sistema de televendas, quem vendia predições e orientações astrológicas para as nossas vidas, era o rádio. Embora com menos ferocidade e um pouco mais de pudor.

Acredito que não haja neste país nenhuma pessoa com mais de 40 anos que não saiba, por exemplo, quem foi o Omar Cardoso. Um nome tão fortemente associado a esse tipo de negócio que, muitos anos após a sua morte, ainda tentavam vender a sua “marca”: um grupo de espertos futurólogos, que se diziam “os discípulos de Omar Cardoso”.

Nos anos 70, eu também me lembro, havia na cidade de Fortaleza, onde eu morava, um desses magos, que fazia muito sucesso e que adotava o sugestivo pseudônimo de “Professor Kardo Alikan”. Coincidentemente também tinha um sotaque portenho e dava conselhos aos ouvintes, sobretudo em questões financeiras e afetivas, num programa de rádio que contava, então, com uma grande audiência, na capital cearense.

Todos os dias, de segunda a sexta feira, lá estava ele, pelas ondas do rádio, dizendo coisas, aos seus ouvintes e consulentes, tais como:

— Não se desespere minha filha, que ele voltará para você...

É certo que muita gente levava a sério as suas previsões, sem o que o seu programa não teria alcançado o sucesso que alcançou. Mas outros — e muitos outros — escutavam as suas predições no rádio, de vez em quando, por mera diversão.

Era este o caso de certo funcionário do Banco do Nordeste do Brasil, que saindo do trabalho, costumava ligar o rádio do carro no programa do astrólogo. Como também faziam alguns dos seus colegas de serviço.

Pois houve um dia em que esse meu amigo estava num restaurante à beira mar, quando, numa mesa próxima, ouviu alguém falando, com aquele sotaque carregado e aquele timbre de voz conhecido. Virou-se e não conteve a reação:

— Professor Kardo Alikan! Que prazer encontrá-lo! Sou ouvinte do seu programa... Eu e outros companheiros de trabalho... Lá do BNB!

O astrólogo não se fez de rogado. Satisfeito pelo reconhecimento público, tratou-o de forma afável e ainda informou:

— Tenho muitos clientes naquele estabelecimento creditício, meu rapaz. Muitos mesmo!

Admirado com a informação, o interlocutor do astrólogo não conteve uma pergunta:

— E o pessoal de lá tem tanto problema assim, professor?

— Não! Esclareceu melhor o vidente. As consultas são muitas, mas os problemas são sempre os mesmos: falta de dinheiro e chifre!

Como se vê, daquele tempo para cá, a sociedade brasileira nem mudou tanto assim...