ADULTÉRIO E GOZAÇÃO

A natureza peculiar do povo brasileiro, a maneira propria de ser da nossa gente, é produto da miscigenação racial que deu origem a esta sociedade. Dependendo da região, é possível observar um componente novo no jeito das pessoas, como resultado da influência étnica específica, que o processo de colonização impôs ali. Mas, de uma forma geral, o que prevalece no “estilo brasileiro” — ou na sua absoluta falta de estilo — são os traços do negro, do índio e do português.

Digo tal coisa, não em tom de crítica, mas com certo entusiasmo, porque considero que existem, na nossa formação genética e em nossa herança cultural, algumas características que, efetivamente, fazem de nós um povo mais divertido. Apesar de todas as nossas desventuras político-administrativas...

Há tanto o que se pode falar sobre isto, que o tema até permitiria a elaboração de algum tratado de História ou de Sociologia, para quem é do ramo. O que não é o meu caso. Mas vou logo dizendo que, dentre as coisas que eu mais aprecio, no jeito de ser da nossa gente, estão a musicalidade espontânea, que herdamos do negro; o sentimentalismo, que nos legou o português; e o espírito de humor, que nos veio pelo lado do índio.

O conjunto dessas características é que faz com que sejamos uma gente meio matreira e cheia de ginga. Em geral, afetuosa e efusiva. E um tanto quanto debochada, irônica e mordaz. Acho que é um jeito maravilhoso de ser, embora para os estadunidenses, canadenses e europeus, isto normalmente se traduza como safadeza, falta de profissionalismo e irresponsabilidade. Mas não estamos nem aí, para a opinião desses mal humorados. É ou não é?

Continuamos a nos endividar, sem grandes preocupações com o momento de pagar a dívida. Somos o povo do “devo não nego, pagarei quando puder”, embora as estatísticas oficiais garantam que, no último ano, experimentamos uma fase de endividamento decrescente, do que eu duvido muito! Porque o senso comum do brasileiro o faz acreditar que o crédito existe é para ser usufruído mesmo e que, tendo o dinheiro para a entrada, as prestações a gente vê depois. E tome inadimplência!

Mas em fevereiro tem carnaval. E um exército de miseráveis assalariados se transforma na mais fina flor da nobreza: em príncipes e princesas, em reis e rainhas, em porta-bandeiras e mestres-salas. Então, os credores que vão para “o diabo que os carregue”, porque ninguém é de ferro e o momento é de descanso e diversão.

Por outro lado, temos um senso de humor apurado, um espírito de autocrítica inigualável e adoramos rir, tanto dos outros, quanto de nós mesmos. Fazemos piadas sobre o nosso próprio infortúnio, o que, frequentemente, nos tem poupado do desespero. É o nosso lado “mangador”, uma herança indígena que só enriquece a nossa maneira de ser.

O brasileiro faz piada de tudo e sobre todas as suas mazelas: da fome à corrupção, da doença ao desemprego, do desamor ao adultério. Ri dos chifres alheios e dos seus proprios cornos. Curte com a cara da adúltera, do “Ricardão” e do que usa a “peruca de touro”. Não perdoa ninguém!

Como naquela história em que o sujeito procurou um advogado, dizendo que queria processar a sua propria mulher, por “adultério e gozação”. O profissional não entendeu direito e explicou ao tipo que, embora o adultério não seja mais crime pela lei penal, poderia processá-la, sim, com base na questão dos danos morais e coisas do gênero. Mas que não havia como fazê-lo por “gozação”, já que isto não estava previsto na legislação do país.

E como o galhudo insistisse naquela forma de processar a caridosa senhora, o advogado acabou perdendo a paciência e perguntando:

— Afinal de contas, meu amigo, que conversa é esta, de “adultério e gozação”? O que foi que aconteceu, realmente?

Ao que o aspudo esclareceu:

— Eu entrei em casa, meio fora do horário, e encontrei a minha mulher na cama com o meu vizinho. Achei que ele tentaria fugir e que ela cairia de joelhos, pedindo perdão... Mas, em lugar disto, ela me olhou, com um sorriso cínico, e ainda me disse: “Ah, foi bom você chegar! Puxe uma cadeira e sente aí, para aprender como é que se faz isto direito”... Além de adultério, doutor, também não é gozação?

É por conta de historinhas assim — e outras que tais — que eu adoro este povo brasileiro!