BATE-PAPO

BATE-PAPO

Janeiro, sexta-feira, cinco horas da tarde, aquele calor infernal que só acontece nos dois primeiros meses do ano nesta cidade. Os termômetros da rua marcavam trinta e dois graus. Dois amigos se encontram em frente ao bondinho da XV:

- Ô cara. Há quanto tempo. Tudo bem com você?

- Tudo, e com você?

- Beleza.

- Está indo pra onde?

- Dando umas voltas...

- Nesse calor?

- Tem suas vantagens, né?

- Como assim?

- Já reparou nas roupas que a mulherada usa em dias quentes assim?

- É verdade. E cada bronzeado...

- Mas aí? Tá a fim de um chopinho?

- Boas falas. Estou com fome também.

- Vamos ali, no Cachorro?

- Boa!

Chegam ao bar, escolhem uma mesa na calçada e aguardam o garçom que logo os atende.

- Pois não?

- Me vê um pernil com bastante verde.

- E o senhor:

- O meu, sem. E dois Chopes.

- É pra já.

- Mas me diga uma coisa. Como é que foi de Natal?

- Fui bem. Passei com a família. Até meus cunhados vieram de S. Paulo. E você?

- Passei na praia. Natal e Ano Novo. Como tinha gente, seu.

- Não gosto de passar na praia. Detesto aquela multidão e o foguetório.

- Mas aqui também soltam muito foguete.

- É, só que lá embaixo é muito mais.

Enquanto falavam, um dos amigos notou que, numa mesa ao lado, estava um cidadão vestido com a camisa do Coritiba e que não possuía o braço esquerdo.

- Pó, meu. Que dureza, heim?

- O que foi?

- Aquele cara ali, ó. Só tem um braço.

Nesse momento, chega o garçom com o pedido.

- Mais alguma coisa?

- Por enquanto, não.

- Qual cara?

- Ali, na tua esquerda.

- Ah, já vi. Ainda bem que foi o esquerdo. Já imaginou se tivesse perdido o braço direito?

-Pô, seria bem pior.

- Como é que ele iria pentear o cabelo?

- Sei lá, pediria pra alguém ajudar.

- Quantos anos você acha que ele tem?

- Uns quarenta, mais ou menos.

- É, por aí.

- Será que é de nascença ou foi acidente?

- Não sei... Acho que foi acidente.

Chega o garçom.

- Mais alguma coisa?

- Dá mais dois chopinhos.

- E dois Steinhaeger.

- É pra já.

- Ainda bem que perdeu o braço esquerdo. Dos males, o menor. Se fosse o direito, como é que ele iria escrever, por exemplo?

- Teria que aprender a escrever com a mão esquerda.

- É difícil. Tem coisas que a gente só faz com a mão direita.

- Dê um exemplo.

- Cumprimentar as pessoas, limpar a bunda, cortar as unhas dos pés...

- Fazer a barba, trocar a marcha do carro, segurar o garfo...

- É... não deve ser fácil.

- No fundo, no fundo, o cara até que teve sorte.

- É, Deus sabe o que faz.

- Olha aí, moçada. Dois chopes e dois Steinhaeger.

- Obrigado. Garçom me diz uma coisa. Conhece aquele cara ali?

- O braço só? Conheço demais. Freqüenta aqui há mais de quinze anos.

- Como foi que ele perdeu o braço?

- Acidente. Capotou o carro na estrada da Lapa. Coisa triste, seu. Perdeu a mulher e a cunhada.

- E quando foi isso?

- Abril do ano passado. Mas agora ele já está numa boa. Gente fina o coxa-branca...

- É... O cara parece que já se acostumou.

- Tudo acostuma.

Nisso, o cidadão de um braço só faz um sinal para o garçom que se aproxima e vai logo dizendo:

- Fala canhoto. Mais um chopinho?

ee.

Elias Ellan
Enviado por Elias Ellan em 22/03/2009
Código do texto: T1499592
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