Divagações, Inspirações x Barriga Cheia

Divagações, Inspirações x Barriga Cheia.

Quarta feira, dia 20 de janeiro de 2009, dia histórico, sentado em minha “caverna” assistia, sozinho, às cerimônias iniciais da posse do novo presidente dos Estados Unidos. Bebericando uma cerveja, deixei que os meus pensamentos viajassem livremente. Vi-me, no início de 2007, caminhando pela areia da praia, ali pelas imediações do mercado de peixes. Em minha direção vinha um cidadão negro, alto e magro que caminhava de cabeça erguida, trajando bermuda vermelha e azul com camiseta branca do tipo regata.

Ao se aproximar de mim, o sujeito deu uma baita bicuda num remo que estava jogado no chão. Só escutei ele dizer:

- Ôu xit!

E caiu, batendo a testa numa canoa que ali estava. (era a Princezinha do Mar, assim mesmo, com z). Cheguei até ele para socorrê-lo e vi que sangrava um pouquinho. Levei-o, cambaleante, até a minha casa, fomos até a caverna e fiz-lhe um curativo. À medida que eu o olhava, sentia mais e mais que já o havia visto outras vezes. Ei, disse eu, apontando-lhe o dedo, você não é o...

- Obama! Barack Obama! Náicetumítchiu.

- Náicetumítchiutchú, respondi.

Como ele não falava piculinas em português e eu só conheço algumas palavras em inglês, tentamos nos comunicar num espanhol tosco. Contou-me que passava suas férias com a família aqui, em Matinhos, (uééé, por que não?) que Côte d’Azur já era e tal, e depois de um longo bate papo, de oito cervejas e de ter me filado uns doze charms, disse-me:

- Se yo ganar las elecciones, tu serás mío invitado de honor.

E é por isso que eu estava ali, meu caro, sentado, entre as celebridades que assistiam à posse. Quando Obama foi chamado para prestar o juramento, olhou-me, sorriu e...

- Cumé, o almoço está quase pronto, fritusbife?

Assim, de chofre. Que balde de água fria meu, logo agora? Era minha mulher que não estava nem aí para os meus devaneios e queria saber se eu queria almoçar.

Veja, prezado leitor, te dei essa introduzida (ops), quero dizer, introdução, para demonstrar que se há coisas totalmente antagônicas são elas, o devaneio ou divagação, a inspiração e a barriga cheia. São completamente incompatíveis. Dá para imaginar Noel Rosa compondo “Feitio de Oração” depois de uma feijoada? Ou Chico Buarque escrevendo “Carolina” após alguns pratos de mocotó? Não dá. Há casos de alguns cientistas que ficaram famosos não só por suas criações, mas também por se alimentarem apenas de alguns sanduíches por dias e dias a fio. Eles sabiam que se fizessem uma bela refeição, babau inspiração. Quer outro exemplo? Você entra num bar cheio de gente conversando. Numa mesa de canto está um sujeito solitário. Repare nele. À sua frente estará um copo de uísque ou uma cerveja e, quem sabe, um maço de cigarros. Observe seu olhar distante. Ele não está ouvindo nada. Às vezes ele meneia levemente a cabeça como se estivesse discordando ou concordando com alguém. Por vezes aparece um leve sorriso em seus lábios. Provavelmente ele estará com o polegar e o indicador de uma das mãos segurando o queixo enquanto que, com a outra, faz movimentos quase imperceptíveis. Pode ter certeza: ele está divagando. E o que é que ele estará comendo? Apenas poucas azeitonas e algumas fatias de salamito, pois, mais do que isso já é refeição. E refeição, meu amigo, corta tudo que é barato.

Agora que já almocei, dei uma cochilada e já estou na minha terceira cerveja, beliscando um queijinho e já são dez horas da noite, começo novamente a divagar, aliás, um amigo meu já dizia que “divagar é permitir que os pensamentos naveguem em um barco à deriva”. Tá certo.

O ano é 1892, uma noite qualquer do mês de novembro, Moscou, vejo uma sala enorme, decorada com móveis estilo Luis XV, com muitos enfeites dourados e cortinas vermelhas. Num dos cantos da sala, um piano de cauda. Sentado a ele, totalmente absorto, Tchaikovsky trabalha febrilmente na sua Sinfonia em Mi bemol Maior enquanto vai rabiscando notas musicais em seu velho caderno de capa marrom. Sobre o piano, duas garrafas de vinho vazias e uma pela metade, ao lado delas, um pires com cubinhos de queijo parmesão no palito. A porta dos fundos se abre e entra o mordomo que caminha até o mestre e cutuca-lhe o ombro. Tchaikovsky congela! Depois de 15 segundos, começa a ficar roxo. De brabo. Volta-se e dirige um olhar fulminante para o mordomo. Este se inclina respeitosamente e lhe diz:

- O jantar está quase pronto, senhor. Fritusbife?

Sabe-se que Tchaikovsky jamais concluiu a tal sinfonia que, até hoje, é conhecida como a inacabada. Bem, pelo visto, o sujeito além de mordomo, devia ser um ótimo cozinheiro.

ee.

Elias Ellan
Enviado por Elias Ellan em 22/03/2009
Código do texto: T1499985
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