A MALDIÇÃO DE BRACATINGA

A GAZETA DO POLVO

Matinhos, janeiro de 2009.

A direção deste jornal, na tentativa de descobrir o motivo das péssimas condições climáticas da região litorânea do Paraná, designou seu mais perspicaz, e único, repórter para investigar as causas deste mistério. Nas páginas a seguir, o repórter nos conta o que constatou.

Designados que fomos pela nossa chefia para tentar encontrar o motivo pelo qual no litoral do Paraná o tempo nublado e chuvoso é muitíssimo mais freqüente que os dias de sol, fomos informados que, na região conhecida como Cabaraquara vive um velho índio de 84 anos conhecido por todos como “seu Bimbão” único descendente da famosa tribo dos Tramôios, silvícolas que habitavam o litoral do Paraná desde os tempos anteriores ao descobrimento do Brasil. Encontramos seu Bimbão recostado em sua rede, fumando num cachimbinho de bambu. Quando seu Bimbão levantou-se para nos receber, notamos que ele usava somente uma tanga a qual, na parte de trás, mal lhe cobria as nádegas e, na parte da frente lhe caía até as canelas. Aí ficou fácil perceber o motivo do apelido. Eis a história que ele nos contou:

A MALDIÇÃO DE BRACATINGA

Meus antepassados, os Tramôios, eram uma tribo muito poderosa, constituída de homens fortes e valentes que por aqui habitavam desde muito antes da chegada de Cabral. Pescadores arrojados e exímios caçadores de caranguejos tinham como chefe supremo o magnífico e temido cacique Jacu Rabudo.

Seus vizinhos do norte eram os Guará- Q- Çabas, os Antoninos, os Parnanguaras, os Pontais, os Ipanemas e os Monções. Ao sul viviam os Saís, os Guará-Tubás e, quase como vizinhos de porta, os Caiobás. Esses últimos não eram muito bem vistos pelos Tramôios que os achavam por demais afrescalhados por usarem muitas jóias de conchas polidas e plumas em demasia.

Gentinha metida à besta, como dizia Jacu Rabudo.

Os Tramôios viviam, além da caça e da pesca, da captura de caranguejos e do cultivo de ostras.

As ostras eram trocadas por espelhos, facas e outras bugigangas com os marinheiros portugueses que por aqui aportavam. Os Tramôios lhes diziam que as ostras continham pérolas ainda em formação e que, por isso, só deveriam ser abertas quando eles retornassem ao porto de Lisboa, quando então elas já estariam prontas para serem colhidas. É claro que quando os portugueses as abriam, meses depois, só encontravam ostras podres, quer dizer, uma verdadeira tramóia. Daí o nome da tribo.

Certo dia, enquanto alguns indiozinhos brincavam lá pelas bandas da praia grande encontraram, estendido na areia, um corpo de mulher. Quando viram que ela ainda respirava, correram para contar a novidade para o grande chefe. Jacu Rabudo veio correndo, aproximou-se e, de pé, braços cruzados, ficou admirando aquela bela mulher de cabelos longos e negros e de pele alvíssima. Notou-lhe as curvas perfeitas, as longas e torneadas pernas, e as coxas roliças. Quanto mais Jacu Rabudo olhava, mais a tanga armava. De repente, na frente de todo mundo, Jacu Rabudo ajoelhou-se e CRÁÁUU.

Após os atos consumados, foram vários, mandou que a levassem à taba e, depois de recuperada, tornou-a sua esposa. Mais tarde descobriram que se tratava de uma enfermeira portuguesa que, fugindo do assédio do capitão de sua caravela havia caído ao mar, tendo vindo dar à praia. (literalmente).

Passaram-se alguns anos e, desta união, nasceu um menino que, desde a idade de três anos, quando começou a falar, foi se tornando uma preocupação crescente para Jacu Rabudo. Se a mãe o alimentava com mingau de araruta, por exemplo, ele pedia:

- Mamã, quego mais agaguta!

O menino foi crescendo, crescendo, até se tornar um rapaz muito magro e alto, razão pela qual he deram o sugestivo nome de Bracatinga. Do pai herdara as habilidades de grande caçador de caranguejos, pois, com aqueles braços e pernas longuíssimas, quando entrava num mangue não tinha prá ninguém. Da mãe herdara os trejeitos, os cabelos negros, longos e cacheados, a pele branquíssima e o bigode.

Mas o que mais irritava Jacu Rabudo era o jeito do rapaz falar. Ele dizia coisas como:

- Papá, quego comeg cagne de jacagué. Fguita pgá mim?

Dentre os vários problemas que Bracatinga enfrentava, o mais sério era, seguramente, as queimaduras solares. Como tinha pele muito branca, o rapaz não podia ficar ao sol por mais de 10 minutos que já lhe vinham sérias queimaduras que se transformavam em bolhas e as bolhas em feridas.

Um dia Bracatinga foi aconselhado por sua mãe a procurar o pajé da tribo. O pajé, homem matreiro, malandro, tinha sempre um risinho nos cantos da boca e atendia pelo nome de Raposão. Este lhe indicou um creme feito à base de goiaba, ao qual ele dava o nome de baba de Tupã. Raposão mandou que Bracatinga entrasse em sua oca, despiu-o e esfregou-lhe o corpo todo com o tal creme. Bracatinga ficou radiante, pois, além de aliviado das dores, ficara completamente cor de rosa. O tempo foi passando e Bracatinga ia todos os dias à oca do pajé. Mais tarde tornaram-se amantes, fato que era do conhecimento de toda a tribo, para desespero e vergonha de Jacu Rabudo.

Os anos passavam tranqüilos naquelas terras ensolaradas, até que um dia Jacu Rabudo, já velho e doente, decidiu que chegara a hora de transferir os encargos e responsabilidades de grande morubixaba para seu filho Bracatinga.

Combinaram, então, uma reunião com todas as tribos para dali a sessenta dias, quando seria organizada uma grande festa com jogos, lutas e muita comilança.

Por fim, chegou o grande dia. Bracatinga flanava de oca em oca perguntando para as mulheres que tipo de roupa seria adequada para a ocasião. Decidiram-se por uma tanguinha plissada, pintura nos olhos à lá Cleópatra e chumaços de penas de pavão na cabeça. E só. Bracatinga parecia uma mistura de Fred Mercury, pelo bigodão e Nei Matogrosso em noite de show.

No final da grande festa, chegou a hora do discurso de posse:

- Queguidos igmãos da floguesta!

Colocou a perna direita meio dobrada para frente, com a ponta dos dedos do pé tocando o chão, braços dobrados para fora com as palmas das mãos para cima.

- Queguidos igmãos da floguesta!

E tome discurso. Falou durante horas e os índios já não agüentavam mais aquela lengalenga. Quem fala demais, sempre acaba dizendo alguma besteira, disse seu Bimbão. E foi aí que Bracatinga se deu mal. Inventou que os índios deveriam substituir o urucum que usavam para se pintar pela baba de Tupã, pois além de ficarem mais vistosos ainda teriam sua pele protegida dos raios do sol. Ora, se há alguma coisa que não preocupa um índio é o tal do sol, bolas.

O único que estava achando tudo ótimo era Raposão, já imaginando o lucro que teria. Os demais, no entanto, não estavam gostando nada daquilo e, lá do fundo, vozes se fizeram ouvir:

- Nem fudendo!

- Isso de passar creminho é coisa de viado!

E, coro geral:

- Bicha! Bicha! Bicha!

Aí Bracatinga rodou a baiana. Chamou-os a todos de índios pés de chinelo, bofes pobres e ignorantes.

Então, do meio da plateia levantou-se um Guará-Tubano, a cara do Brucutu, com uma borduna de cambuí que faria qualquer taco de beisebol parecer um palito de dentes. Deu-lhe uma camaçada de pau tão grande que Bracatinga jamais se levantou. Levado à oca do pajé, não resistiu e faleceu. Porém, antes de morrer, ainda encontrou forças para balbuciar sua maldição;

- Já que eles gostam tanto de sol, digo que pog essas tegas litogâneas, jamais o sol bgilhagá pog mais de tguês dias seguidos.

- E é por isso, meu jovem, disse seu Bimbão, que por aqui, se faz dois dias de sol no terceiro chove ou fica nublado.

- E Jacu Rabudo? Perguntou o repórter.

- Morreu de tristeza.

- E quem foi eleito chefe?

- Raposão, mas teve que trocar de nome. Passou a ser chamado de cacique Soca-Bosta.

ee.

Elias Ellan
Enviado por Elias Ellan em 23/03/2009
Código do texto: T1501394
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