CASA DE CABOCLO

CASA DE CABOCLO

Há dias, passeando com minha cadela Nina, observei que na minha rua havia um morador novo. Em Matinhos, cidade pequena é assim, até essas coisas a gente nota.

Como sou um sujeito tímido e meio caladão, levou algum tempo até que comecei a cumprimentá-lo quando passava por seu portão. Um dia, ao cruzar com ele, ouvi pelas costas: Ninaaa, Ninaaa, parei e ele veio até nós. Como ele soube o nome da minha cachorra não sei e não perguntei. A partir daí, sempre que eu passava, ele vinha bater um papinho. Juca era seu apelido. Num desses papos, perguntei:

- Seu Juca, o senhor gosta de tomar uma cervejinha?

- Claro, seu Elias, num calor destes, quem não gosta?

- Então tá, falei. Hoje à tardinha, espero o senhor lá em casa para tomarmos umas. Claro que ele já sabia onde moro.

- A que horas, perguntou ele, preciso. Gosto disso. Hora marcada.

- Lá pelas sete, tá bom?

E assim foi. Sete horas ele bateu palmas no meu portão.

Entramos, sentamos à mesa da minha caverna e logo tratei de matarmos a sede. Fui até a geladeira, peguei duas cervejas, coloquei cada uma em um recipiente de isopor para mantê-las geladas, e as pus em frente a cada um de nós, com os devidos copos. Peguei uma travessa com uns lambaris que havia acabado de fritar e coloquei na mesa.

-Taí, seu Juca, sirva-se à vontade.

Então começamos a conversar. Contou-me que sempre morara num sítio, mas que agora o havia arrendado, que a vida no sítio é muito dura, que já estava velho (75 anos) e que viera visitar o genro e a filha que aqui moravam e resolvera ficar. Contou-me ainda que havia comprado um apartamento pequeno naquele condomínio “de comprido” pelo qual eu passava em frente quando saia para caminhar.

Eu, como sempre, mais ouvi do que falei. Passados quinze minutos de conversa, ele tomou o último gole de cerveja e levantou-se.

- Já vou indo, seu Elias.

Será que eu notei que sua voz estava meio pastosa?

- Mas é muito cedo ainda, seu Juca. Fique mais um pouco.

- Não seu Elias, já tomei umas em casa e tá na hora de ir embora.

Sim, ele estava com a voz meio pastosa. E eu ainda não havia tomado nem meia cerveja.

- Seu Elias, disse ele, amanhã o apiritivo é lá in casa. Achei aquilo meio prematuro, mas acabei concordando.

- A que horas fica bão pro senhor?

- Tanto faz seu Juca, mas ali pelas seis da tarde estaria ótimo.

No dia seguinte, as cinco e quarenta e cinco ele já estava em frente da minha casa. Atendi-o, e ele:

- Vamo indo, seu Elias?

Fomos. Chegamos ao prédiozinho e entramos. Tratava-se daqueles condomínios horizontais, com dez apartamentos, um do ladinho do outro, para veranistas. Tem muito disso por aqui. O apartamento dele era o último, bem lá no fundo. Quando chegamos à porta que dava para a copa, ele me convidou para entrar. Fazia um calor terrível naquele dia.

- Seu Juca, não é melhor ficarmos aqui fora, na sombra, que está mais fresquinho? Perguntei. Mas ele insistiu:

- Não, nada disso, vamo entrando.

Está bem, entramos, passamos pela copa e ele levou-me à sala de jantar. Era uma sala bem pequena, onde mal cabia a mesa de imbuia e seis cadeiras, também de imbuia, de espaldar alto e assento duro. Desconfortáveis prá burro, principalmente para quem tem bunda de gaveta, como eu.

A sala era pintada de cor bordô muito forte, era muito abafada, pois não tinha nenhuma ventilação e aquela cor me oprimia. Do lugar onde eu estava, podia ver através da porta da copa/cozinha aquela sombra maravilhosa lá fora. Não agüentei:

- Seu Juca, que tal se sentássemos lá fora, na sombra?

Não adiantou. Ele achava que lugar de visita era na sala de jantar e pronto.

Seu Juca foi até a geladeira, pegou duas cervejas e serviu a ele e a mim. Observem que eu não falei em recipiente de isopor, portanto, cinco minutos depois, as cervejas estavam horrivelmente quentes. E pior, a cada gole que eu dava, seu Juca tornava a encher meu copo que, em pouco tempo, já não tinha mais nenhum resquício de espuma. Cerveja quente e sem colarinho; tá bom!

De repente, chegou a esposa do seu Juca.

- Muié, este é seu Elias, nosso vizinho.

- Prazer.

- Prazer em conhecê-la. Como vai a senhora?

- Muié, frite uns peixe pra nóis.

Aqui, se faz necessário um parêntese: Eu não janto nunca. Eu não gosto de jantar. O máximo a que me permito à noite é um leve aperitivo salgadinho enquanto tomo minha cerveja e depois, se for o caso, um café com leite e um pãozinho antes de dormir.

Voltemos:

- Muié, frite uns peixe pra nóis.

E, dizendo isso, empurrou a sua cerveja quente e quase cheia pra mim e confessou, novamente com a voz meio pastosa:

- Seu Elias, eu não gosto de cerveja, sabe? Eu gosto mesmo é de uma cachacinha. (Estava explicada a voz pastosa desde a primeira vez). Levantou-se, foi até a cozinha, e voltou com um litro de velho barreiro pela metade. Aí eu já comecei a ver a fria em que tinha entrado. Eu com duas cervejas quentes pela frente e seu Juca reenchendo meu copo a cada gole. Em seguida, a dona da casa apareceu com uma travessa enorme e bem cheia de postas não sei de que peixe.

- Come aí, seu Elias.

E sploft, sploft, jogou duas enormes postas em meu prato. Ai meu Deus, pensei. A primeira posta até que caiu bem, o peixe estava delicioso, mas a segunda tive que empurrar. Depois de um esforço danado, consegui terminar as cervejas e o peixe. Quando eu já estava pensando em sair, seu Juca trouxe-me, gentilmente, mais uma cerveja quente e tornou a encher meu copo. (Putaqueopariu, vou dar uma porrada neste véio). Seu Juca comia que se lambuzava todo.

- Muié, frite umas carne de porco.

Ah não, é brincadeira, pensei, o sacana está me gozando.

Mas não era, e a senhora dona da casa logo se pôs a fritar carne de porco.

E a tortura continuou, a cada gole, copo cheio, quente e sem colarinho. Seu Juca firme, já acabando com o velho barreiro.

E veio a travessa de carne de porco.

- Come aí seu Elias.

E, sploft!

Para encurtar a história, consegui terminar a carne e a cerveja, tomando o máximo de cuidado para não deixar o seu Juca trazer-me outra. De repente, sem que eu esperasse, sploft! Aí não suportei mais. Peguei um garfo e espetei-o, cravei-o, enterrei-o na carne que ele havia posto no meu prato e a devolvi à travessa. Vocês devem estar pensando que eu estou sendo ingrato com uma pessoa que só estava querendo me agradar, não é? Pois vão visitá-lo, principalmente depois que tiverem feito uma boa refeição.

- Seu Juca, me desculpe, mas não cabe mais nada. A conversa está boa, mas tenho que ir andando. Vou ter visitas e preciso buscá-las na rodoviária. Meia verdade; eu ia realmente receber a prima e a sobrinha da Regina, mas o que eu queria buscar mesmo era um remédio para gases que já estavam começando a se manifestar. Levantei-me de um salto e já fui me encaminhando para a porta. Seu Juca tentou me impedir, mas não lhe dei nenhuma chance. Da porta, falei:

- Até loguinho seu Juca, muito obrigado por tudo e agradeça sua esposa por mim.

Cheguei em casa estufado, fui para a caverna e tomei um remédio para gases, que eu chamo carinhosamente de Peidol, e esperei fazer efeito.

Quando criança, minha mãe me ensinou que a boa educação cabe em qualquer lugar. Até em casa de caboclo, suponho.

Ah, que delícia... Enfim, só.

- Pum!

ee.

Elias Ellan
Enviado por Elias Ellan em 24/03/2009
Código do texto: T1502958
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