Fecall center

O telemarketing chega ao banheiro

Atormentado por um telefonema inoportuno, nosso editor convidado quer saber quando vai poder usar o banheiro sem ser incomodado por operadores de telemarketing por Isay Weinfeld*

Eis que você se encontra de repente, sozinho em sua própria residência, numa tarde ensolarada de um sábado qualquer e resolve, numa atitude não mais que comum, fazer cocô. Toda a concentração é pouca, na tranqüilidade de seu banheiro. Tudo o que você pede nesse raro momento de reflexão é que seu telefone não toque. Sim, pois, se ele tocar, você, que sofre de algum tipo de "síndrome do telefonema não atendido", com certeza vai querer atendê-lo por achar que vem aí uma má notícia ou, surpreendentemente, uma boa.

A esta altura do texto, você já deve estar imaginando que, no momento crucial do desfecho fecal, o telefone vai tocar. Não precisa ser muito inteligente, pois é óbvio que sim, o telefone acaba de tocar. Nesse instante, centenas de cálculos numéricos lhe vêm à cabeça: você calcula a distância que separa o aparelho sanitário do aparelho telefônico; rememora quantas vezes ele toca até parar; se tortura imaginando que, se não chegar a tempo, talvez a pessoa não volte a chamar. Aí você enumera mentalmente as etapas que tem a superar até estar apto a se le-vantar da bacia: calças arriadas, papel higiênico insuficiente, porta trancada, índice sofrível de segundos para se atingir de 0 a 100, ou seja, complexo, bem complexo. Isso sem contar com a possibilidade de você ser do signo de libra e, aí sim, ficar meia hora para decidir se atende ou não o telefone.

Quem será?

Se você, enfim, ultrapassar todas essas dificuldades e chegar suando ao aparelho que está prestes a parar de tocar e conseguir atendê-lo, você tem 99% de chances de ouvir uma voz dizer: "Boa-tarde, com quem eu falo?" (se você for judeu, essa porcentagem cai drasticamente para 51%, pois aumentam as chances de ser sua mãe). Se, no entanto, a voz do outro lado for desconhecida, a próxima frase que você ouvirá será a da identificação do interlocutor: "Aqui é da operadora de telefonia tal, ou da administradora de cartões de crédito tal e tal, ou ainda dos planos de saúde etc. e tal", perguntando se você deseja assinar x, ganhar y, adquirir z... Nessa altura, já bati o telefone na cara do pobre interlocutor que, afinal de contas, não tem culpa de nada, só está cumprindo uma ordem boba de algum entendido em marketing que acha inteligente esta forma ridícula de invasão telefônica de domicílio.

Quando vão desconfiar que atitudes como essa põem abaixo a imagem de empresas respeitáveis? Quando vão desconfiar que, se alguém deseja determinado tipo de serviço, ele vai atrás? Quando vão desconfiar que, a essa altura do sábado, tem alguém querendo fazer seu mísero cocozinho em paz?

*Isay Weinfeld, 52, é arquiteto