CASA NOTURNA

CASA NOTURNA

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Corria o ano de mil novecentos e oitenta e poucos. Naquele tempo, os inspetores da Caixa viajavam por todo o Brasil e em cada canto do país onde havia uma unidade da CEF, lá íamos nós. Cada uma dessas unidades, Agências, PABs, PS, devia ser inspecionada pelo menos duas vezes por ano. Ganhava-se bem, é verdade, mas era uma vida bem difícil. A solidão era o que mais nos afligia. Às vezes algum gerente nos convidava para um chopinho no fim da tarde. Mas, nem sempre era assim. No mais das vezes, depois do expediente, acabávamos ficando mesmo é sozinhos.

Eventualmente, por sorte, achavam-se dois ou três inspetores na mesma região. Quando isto acontecia, o que estava na cidade maior ligava para os outros convidando-os para um jantar.

Foi isso o que aconteceu naquele ano quando eu inspecionava a Ag. Londrina. Descobri que, em Cambé, estava o Lima e, em Rolândia, o Barbosa.

Numa quinta feira, liguei para os dois e os convidei para, no dia seguinte, jantarmos no restaurante Rodeio, que ficava ali, atrás da Catedral, bem pertinho do calçadão.

Na sexta feira, uma noite muito quente, estávamos os três, felizes, batendo papo, tomando umas cervejas, beliscando um frango à passarinho e, jantar que é bom, nada. Conversa vai, conversa vem e o tempo passando.

- Nelson, dá mais uma!

O Nelson era um dos garçons mais tradicionais da cidade, fazendo jus até a uma reportagem na “Folha de Londrina”.

Lá pelas tantas o Barbosa falou:

- Estou em falta com a minha mulher. Passo os finais de semana dentro de casa e só saio para trabalhar na segunda feira e a mulher quer sair jantar, passear, essas coisas.

Comigo se dá o mesmo, disse o Lima, a mulher já anda reclamando.

Acho que este era um problema da maioria dos inspetores, pois ao chegarmos de viagem, queríamos mesmo é sossego e curtir a família, sem sair de casa. Sair mesmo, só para o trabalho, mas é claro que nossas esposas não gostavam nada disso.

- A minha mulher está a fim de conhecer uma casa noturna, disse eu. (Naquele tempo, restaurante dançante era chamado de casa noturna).

- Boa idéia, disse o Lima, obtendo, imediatamente a aprovação do Barbosa.

Assim, como éramos os três residentes em Curitiba decidimos nos encontrar, devidamente acompanhados, às nove horas da noite do dia seguinte, sábado, no restaurante Roda D’Água, que ficava no bairro de Santa Felicidade.

Eu cheguei primeiro e, enquanto bebericava um Natu Nobilis e conversava com minha mulher, chegaram os dois outros casais.

Aí, foi só alegria, enquanto o Lima me acompanhava com o uísque, o Barbosa pediu uma cerveja e uma bebida escura, servida numa tacinha. As mulheres estavam deslumbradas, pois, afinal, estavam numa “casa noturna”, e nós, fazendo de conta que estávamos naquele tipo de ambiente pela primeira vez. A conversa corria solta, animadíssima e, passada a meia noite, o Lima, que além de bom amigo era também muito ciumento, resolveu que queria ir dançar com a esposa. Como minha mulher não dançava e o casal Barbosa também não, ficamos os quatro à mesa comendo alguns petiscos e bebendo.

A pista já estava cheia e, de relance, vimos o Lima e a esposa rodopiando ao som de um samba do Martinho da Vila.

Esquecemo-nos deles e continuamos a conversar. De repente... Sururu no salão!

A esposa do Lima retornou à mesa, assustada, pálida e ofegante.

- O que foi que aconteceu?Perguntamos.

- Um bêbado sem vergonha me passou a mão na bunda, disse ela, chorosa.

- Sente aí e se acalme. Cadê o Lima? Perguntei.

- Foi até o carro. Acho que foi pegar uma arma.

Aí nos apavoramos. Já imaginou? Como empregados da Caixa, a última coisa que queríamos era entrar numa confusão daquelas. Saímos correndo, eu e o Barbosa, e fomos até o os fundos do estacionamento onde havíamos deixado nossos carros. Lá chegando, encontramos o Lima com o porta-malas aberto e procurando alguma coisa nele.

- Achei, disse ele. E ergueu o braço, triunfante, segurando uma chave de rodas, daquelas em forma de cruz.

Aí, meu amigo, chegou a hora do deixa disso.

- Lima, falei, esquece, o cara está bêbado. Largue mão.

- Vou matar esse lazarento!

- Não, deixe de bobagem, cara. Os seguranças já vão botar o sujeito para fora. Guarde esta chave de volta no carro e trate de se acalmar, argumentei.

Mas o Lima queria porque queria dar uma “chavada de rodas” na cabeça do bêbado atrevido.

- Lima, disse o Barbosa com sua voz grave e já meio enrolada, te acalma se não isso ainda vai dar um retôço desgraçado.

Depois de uns dez minutos, por fim, conseguimos acalmá-lo, mas não foi fácil. Combinamos, então, entrar novamente como se nada tivesse acontecido, pois afinal de contas, nossas esposas ainda estavam lá dentro, desacompanhadas.

Quando nos aproximamos da porta dos fundos do restaurante, que dava para o estacionamento, quem vem saindo, cambaleante e agarrado a um amigo? Claro, o bêbado que havia sido posto para fora pelos seguranças. O cara estava tão bêbado que não reconheceu o Lima e pensou que estávamos chegando naquele momento para uma noitada. Ele parou, apontou-nos o dedo com o braço bamboleante e disparou:

- Aí, ó! Não entra aí não, que só tem puta lá dentro!

ee.

Elias Ellan
Enviado por Elias Ellan em 31/03/2009
Código do texto: T1514966
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