Sempre perto da Páscoa, lembro-me de um episódio ridículo, mas muito lindo que marcou a minha infância e a de meus irmãos.

O sábado de aleluia era motivo de uma comemoração inusitada. Durante a semana que o antecedia, nós nos juntávamos aos amigos e começávamos a fazer pequenos furtos, tirando das casas dos vizinhos objetos para adornar nossa grande façanha: o grande boneco que construíamos com juta, e um monte de tecidos velhos - os famosos "farrapos"- jornais e papelões, que usávamos para preenchê-lo. Na sexta-feira da paixão de Cristo, à noite, saíamos com todos os apetrechos necessários para pendurá-lo numa alta estaca no meio do campinho de futebol do lugar onde morávamos.

A alegria e nosso divertimento consistia em ver a cara de surpresa das pessoas, no sábado pela manhã, tentando buscar seus pertences de volta, antes que fosse tarde e tivesse começado a "malhação do Judas"... Bem, nem todos tinham essa sorte, e nós batíamos no grande boneco e ateávamos fogo!!

Era uma brincadeira quase saudável, ríamos muito e dançávamos em volta daquela fogueira, pois, acreditávamos que assim vingávamos a morte Daquele que um dia nos salvara, Jesus. Ritual sagrado, apesar de divertido. Em nossa inocência, não entendíamos de outra forma...

Certa vez, achamos que tudo estava muito repetitivo e resolvemos fazer um boneco e uma "malhação diferente". Ao invés de o pendurarmos, nós iríamos sentá-lo numa cadeira, só não pensamos nas consequências que essa inovação poderia trazer.

Pegamos uma cadeira de peroba, almofadada, de espaldar com braçadeiras, a preferida de papai, que todas as tardinhas de volta da lavoura, sentava no alpendre para descansar e onde contava seus "causos" para a filharada.

Neste sábado, depois do ritual de açoitar o "Judas", ateamos fogo, e esquecemos o principal... a cadeira de papai!

Meu Deus! E agora? Foi uma correria com latas d'água para apagar a fogueira, tentando salvá-la...

Não teve jeito: chegamos com a cadeira toda queimada, apesar de a termos limpado, encerado, crentes que passaria despercebido tamanho estrago. Mas o "danado" do papai, percebeu e logo quis saber quem havia feito "aquilo".

Uma coisa desde pequeno sabíamos fazer bem: calar! Ou éramos todos castigados, ou sairíamos ilesos das travessuras. Caso típico do conhecimento da história dos Três ou Quatro Mosqueteiros, que na época não entendíamos muito essa matemática... Mas nosso lema era: "Um por todos e todos por um".

Podíamos não ser lá grande coisa... mas, fiéis até a morte!