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PARE O ÔNIBUS! EU QUERO DESCER!


                                                          


- Menina do céu! Nem te conto o que me aconteceu...

- Fala, Zeti! Você está com uma cara... – Disse Elizandra.

- Você sabe que precisei ir ao Rio e o Beto ficou falando dos assaltos recentemente ocorridos nos ônibus de turismo no último feriado de Páscoa. Então, na hora de voltar para casa o meu lugar foi justo o da frente do lado contrário ao motorista.

-Mas, o que aconteceu, mulher? – Interrompeu Elizandra cheia de curiosidade...

- Escuta!!! De repente, apareceram do lado de fora do ônibus, olhando diretamente para mim, dois homens. Um deles era um rapaz negro de brinco e capuz, com uma mochila carteiro com um jeito incomodado, olhando para tudo e todos dentro do ônibus; o outro, um homem de no máximo uns quarenta e oito anos. Tinha bigodes, usava um boné e, ainda do lado de fora, ficou me filmando por bons minutos e antes de entrar na condução deu uma volta por todo o ônibus.

“- Vão assaltar o ônibus!” – Concluí já pronta para descer da condução, mas o motorista entra e atrás dele, os “assaltantes”!

Meu coração bateu na garganta, não senti minhas pernas..O  lugar a meu lado estava vago... Digo estava pois aquele homem bigodudo com sua voz grave foi dizendo:

“-Dá licença...” – Disse já sentando e me olhando muito, para minhas mãos, para a bolsa. Certamente observava meus anéis para uma possível investida. Presa fácil, sozinha e acuada no canto da janela.

Novamente tive ímpeto de levantar-me e pensei em dizer ao motorista que havia esquecido os meus documentos na casa de um parente para não levantar suspeitas... Mas, as pernas não me obedeciam e permaneci imóvel.

O ônibus já ia sair quando vi uma senhora na rodoviária acenando para mim com ar aflito. Nessa hora quase enfartei, novamente imaginando que ela queria me alertar sobre aqueles assaltantes. Mas, depois vi que ela fazia sinal para parar o ônibus, trazia na mão a passagem e sem querer, de tão assustada gritei para o motorista:

- Ela esqueceu!!!

O bigodudo fala com sua voz grave de malandro:

“- Não prestou atenção, tem que ficar para trás mesmo... Não pode esperar, não!!!”

O motorista resmunga alguma coisa, para o ônibus, abre a porta, reclama do atraso com a mulher. Ela respondeu-lhe que se confundiu com a plataforma.

Não sei o que me aconteceu, Elizandra, que danei a falar com aquele cara a meu lado, talvez numa tentativa desesperada de não ser assaltada:

- Ela se confundiu com os números... A plataforma 38, ela pensou ser 30, por que muitas vezes o zero é cortado...

-É... – Foi tudo o que ele disse.

Quando o motorista novamente saía com o ônibus, o bigodudo ao meu lado, esfregando as mãos disse:

“-Hoje a estrada está boa, a viagem vai ser uma beleza!"

Ali naquele momento vi meus pertences todos sendo levados pelos dois meliantes. Sim, eles iriam nos assaltar no ponto certo onde não houvesse socorro. Gelei e fiquei pensando em o que dizer para tentar coibir a ação dos bandidos...

Nisso, o homem a meu lado novamente me olha demorado e diz:

“-Hoje eu ralei para danar! Não é mole não...”

O medo era tanto, o pavor se fez tanto em mim que só me lembrava das profecias desgraçadas do Beto dizendo “cuidado com essas viagens de feriados, você vai acabar sendo assaltada...”.

E o ônibus seguia e eu tremia. O medo era tanto que comecei imaginar coisas na cabeça. Aquele homem a meu lado não parava de olhar seu celular. Logo, movida de pavor, imaginei:

“-Aposto que ele está olhando o celular para ver onde não tem sinal e onde ninguém poderá chamar por socorro e aí é que ele e o outro assaltante que está no fim do ônibus vão aproveitar para nos assaltar... É isso! Só pode...”

O homem volta a falar comigo:

“-De dia é bom viajar na frente, mas à noite... – Olhou para mim me fitando demais e continuou. – À noite a luz dos carros não deixa a gente cochilar...”

Aqueles olhares demorados para mim estavam me incomodando, eu precisava fazer alguma coisa e falei:

-É... Eu não gosto de viajar aqui na frente, acho muito perigoso, coloquei até o cinto por medida de segurança... Sei lá! Dizem que este banco da frente se chama Jesus está chamando”...

Na mesma hora o bigodudo pegou o cinto e antes de colocá-lo isolou na madeira e disse:

“-Vira essa boca pra lá, isola! Fala pra Jesus me colocar no final da agenda dele!”

Nessa hora eu até achei graça por conseguir amedrontar um ladrão...

Então, aproveitando-me daquele momento em que o homem está de cinto, na tola intenção de mudar o pensamento dele, tive uma ideia tresloucada e falei para que o ladrão se apiedasse de mim:

- É, empregada doméstica sofre... – Falei com cara mais desolada que pude fazer.

“- Eu desço de quinze em quinze dias... Você desce todos os dias?” – Quis saber ele.

- Não... Toda semana. – Assustei-me, pois não imaginei que ele me faria uma pergunta dessas.

“- Trabalha no Centro?” – Quis saber mais.

“-Não.” - Respondi.

A partir desse momento o bigodudo descerrou sobre sua vida profissional nos mínimos detalhes e o tal suspeito ladrão deu lugar a um bom moço trabalhador e que revelou que mora aqui na cidade, Lizandra. Somos praticamente vizinhos, acredita?

Antes de sair do ônibus foi ele quem fez a gentileza de descer a minha mala. E olhando daquele modo penetrante ainda me disse:

“-Se você é elegante e linda deste jeito, fico imaginando a sua patroa... Foi um prazer viajar ao seu lado!”

Dei uma sonora risada, agradeci e me afastei rápido dele.

“-Ha, ha, ha,  você é maluca Zéti! Ele acreditou que você era empregada doméstica?”

- Sei lá... Mas, pelo jeito acreditou mesmo! Nunca mais vou julgar ninguém, pois já vi que não sou boa nisso! A mente medrosa faz com que criemos situações absurdas. O medo faz-nos tão perigosos quanto um ladrão.– Confessei.

- Você tem toda razão, amiga, você tem toda razão... – Concordou Elizandra.