O TIO OSCAR NÃO “BATIA” MUITO BEM...

Uma crônica de humor a quatro mãos (*)

Meu pai era uma pessoa de excepcional qualidade. Tinha uma boa cabeça, mas o que o estragava, às vezes, era o seu pensamento. Ou melhor, suas idéias “originais”. Talvez porque gostasse de grandes emoções. Mas, não satisfeito de vivê-las, também costumava envolver o resto da família nelas.

Deu-se que certa vez, numa festa de barraquinhas, ocorrida na nossa cidade, por conta de um desses festejos de final de ano, na falta de uma coisa melhor para inventar, lá pelo meio do leilão, ele arrematou, por bom preço, uma prenda tão necessária quanto útil à nossa família: um porco! E quando o "leiloeiro" improvisado, vitorioso, gritou aquela palavra mágica — VENDIDO! — um frio correu a nossa espinha. Minha mãe colocou as mãos na cabeça e nos olhou, com aquele olhar de quem procura a resposta para uma pergunta simples e, mesmo assim, difícil de responder: E AGORA, O QUE NÓS VAMOS FAZER COM ESSE BICHO?!"

Lá em casa nós éramos quatro filhos. E uma espécie de estupefação abateu-se sobre todos, enquanto papai ainda saboreava o seu lance vitorioso e se dirigia ao local devido, para pagar pelo arremate e, pior ainda, receber a prenda que lhe cabia. Um dos meus irmãos, achando que era pouca a agonia que nossa mãe devia estar experimentando naquele momento, ainda implicou com o menor:

— O jeito é ele (o porco) dormir no seu quarto!

Mas antes que a arenga prosseguisse e o pequeno começasse a chorar, mamãe interveio, mandando acabar com a implicância. Mas, de fato, não havia mesmo espaço em nossa casa, para abrigar um hóspede inusitado como aquele. Nosso quintal não era grande e não possuía nenhuma área que pudesse ser isolada e destinada à guarda daquele pequeno javali. Inclusive, porque era nesse quintal que, nos dias normais, as nossas roupas eram postas a quarar e a secar, depois de lavadas. Agora, vai soltar um porco desses no meio de varais e bacias de roupa, para ver o que acontece!

Só que os problemas nem esperaram por isto. Começaram logo ali, no próprio local da festa e do leilão: o suíno, pelo visto, não simpatizou muito com papai. De longe, já ouvíamos os seus guinchados e grunhidos, antes mesmo que o arrematante surgisse do meio da multidão, abraçado com aquela nada amigável composição de toucinho, lombo e pernil. O sentimento de vergonha que experimentamos foi instantâneo. Nos dias de hoje, certamente teríamos dito: que “mico”! No entanto, “mico” era o tipo da coisa com a qual o meu pai não parecia se importar nem um pouco, como veremos a seguir.

Aviso porque, a esta altura, o leitor mais apressado pode estar concluindo, antes da hora, que, passado o entusiasmo do leilão, meu pai mandou o porco para ser abatido no açougue de algum conhecido ou que o tenha posto sob guarda de algum sitiante das suas relações, dando por encerrado o nosso problema. Mas com ele, não funcionava assim. Com ele, mais do que com qualquer outra pessoa, aplicava-se aquele conhecidíssimo princípio: nada é tão ruim que não possa ser piorado!

Prá começo de conversa, a nossa festa de barraquinhas acabou-se instantaneamente. Claro! Quem é que ia continuar numa festa segurando a “prenda” de papai no colo? Porque, em lugar de amarrar uma corda em seu pescoço (no pescoço do porco, bem entendido!), os organizadores do leilão fizeram foi enfeitá-lo com uns laços de fita colorida, para torná-lo mais simpático e atraente. Metemos o leitão dentro da “Miss Shirley” — apelido que déramos à Variant, que era o nosso carro de então — e tocamos para casa.

Ao chegarmos e sem saber direito como hospedar o bicho, papai decidiu que ele ficaria preso no quartinho dos guardados, que ficava lá atrás e dava a porta direto para o quintal. Foi o que se pode arranjar para o resto da noite. Mas, e depois? Nós estávamos com a nossa viagem de final de ano pronta para São Paulo, onde iríamos passar o Natal e Ano Novo com o resto da família: tios, primos, coisa e tal. Foi quando o chefe da casa teve aquela “luz” inesperada e nos disse:

— É isso! Vamos levar o leitão de presente para ajudar na ceia de final de ano! Lá eles mandam abater e tudo se resolve!

Outro “gelo” na barriga da família! Mas não vou esticar o assunto, exceto para dizer que o olhar de mamãe deixava perceber uma fúria assassina, de quem só queria pedir a Papai Noel uma viuvez de presente. Mesmo assim, o leitão viajou em nossa companhia para São Paulo. E o destinatário do presente — desde logo ficou resolvido por papai — seria o tio Oscar, que era o seu irmão mais velho.

A viagem foi verdadeiramente infernal! A bordo da “Miss Shirley”, além do criativo motorista, mamãe e seus quatro filhos, nossa bagagem e, para não deixar dúvida a nenhum leitor, a leitoa! Sim, porque, a esta altura, já havíamos descoberto que não se tratava de um porco, mas de uma porquinha! E a viagem foi, mas nem poderia deixar de ser diante das circunstâncias, como já dito e esclarecido, uma aventura tormentosa para nós.

Sendo um período de verão — e, com certeza, ninguém jamais ouviu falar numa Variant equipada com ar condicionado — fazia um calor sufocante e a viagem era interrompida, várias vezes, para que a leitoa fosse hidratada... Com água mineral! Afinal de contas, ninguém iria, com certeza, querer comer carne de porco ressecada na ceia natalina. Particularmente, o meu desafio era fingir que eu não fazia parte daquela enlouquecida “troupe”, sempre que parávamos em algum ponto, para dar de beber ao presente do tio Oscar. Mas desconfio que ninguém acreditava muito nisso, não...

O fato é que, apesar de tudo, do desconforto e do vexame, acabamos chegando a São Paulo e à casa do tio Oscar, que foi, imediatamente, “mimoseado” com aquele presente original. E, de tão surpreso e desconsertado, o tio acabou deixando a leitoa escapar de seus braços e, encontrando o portão aberto, tomar a direção da rua. Talvez o bicho quisesse apenas conhecer melhor a cidade ou tenha sido — sei lá! — uma tentativa desesperada de livrar-se do animal. Tentativa desesperada e frustrada, que fique bem claro, porque, graças aos esforços dos familiares presentes ao momento, a fujona foi recapturada e trazida de volta ao aconchego de todos.

De qualquer modo, nas noites daquele Natal e daquele Ano Novo ninguém provou o gosto da trabalhosa leitoinha, visto que, depois de toda essa aventura, não houve quem tivesse a coragem de dar cabo da mesma. Afinal de contas, não se pode negar que, naquela altura dos acontecimentos, já tínhamos uma história juntos. E o tio Oscar ficou cuidando dela, assim como uma espécie de mascote. Pode?!

Como se vê, esse jeitão meio tresloucado, essas idéias algo bizarras, que o meu pai tinha, de vez em quando, parecem ser uma coisa de família. Porque, para fazer de um porco animal de estimação, eu acho que o tio Oscar também não “batia” muito bem...

(*) Esta crônica é o resultado de um trabalho a quatro mãos. O seu enredo decorre das divertidas lembranças de uma querida amiga, aqui do Recanto das Letras – a Patty Marinny — às quais, atendendo ao seu pedido, eu ajudei a dar forma. Escrever sobre essas reminiscências familiares, em parceria com ela, foi uma coisa muito divertida e gratificante. Obrigado, Patrícia, por dividir comigo esta tarefa tão prazerosa.