OS PODERES DE UMA PERIQUITA

 
Juquinha é um garoto muito introvertido, bem diferente dos demais garotos de sua idade, incapaz de sair de sua casa desacompanhado dos pais, tamanho é o seu medo do desconhecido, muito menos de ter a iniciativa de namorar uma jovem de sua comunidade.
 
Quem não o conhece bem imagina que ele seja de outro planeta. Tímido aos extremos, não consegue sequer firmar um relacionamento amistoso com os seus colegas de classe, devido à sua falta de iniciativa e/ou do seu marasmo mental.
 
Um psicólogo da sua comunidade, muito solícito, se prontificou a fazer de forma graciosa algumas sessões de terapia no intuito de tentar acabar com aquela timidez do garoto. Os familiares do pimpolho logo desconfiaram do interesse meramente comercial daquele profissional mal intencionado e trataram de cortar o mal pela raiz.
 
- Onde já se viu um psicólogo que nem o conhecemos direito querer meter o bedelho onde não é chamado? Por que ele não vai cuidar da vida dele? – vociferou o irmão mais velho.
 
A timidez do Juquinha prosseguia de vento em popa rumo ao extremo e por mais que os familiares dele acreditassem na possibilidade de uma guinada na vida do garoto nada de novo acontecia.
 
Problemas familiares e más notícias andam de braços dados, sempre. Os boatos foram se espalhando pela vizinhança até chegarem ao conhecimento de um velho pajé que algum tempo atrás havia sido dispensado pelos índios de sua tribo.
 
O pajé foi procurado pelos pais do garoto e ficou muito feliz por ter sido lembrado de alguma maneira no mundo dos brancos. Disse estar sem fazer trabalhos dessa natureza desde sua aposentadoria e seria uma questão de honra a realização de sessões de pajelança por um período inicial de seis luas para ajudar na resolução do problema que estava afetando a vida daquela família de brancos.
 
Decorrido o período de seis luas relativo ao tratamento sugerido pelo pajé, Juquinha já demonstrava alguma mudança de comportamento, principalmente no que dizia respeito ao seu relacionamento interpessoal com os membros de sua família, o que motivou seus pais a autorizarem o velho curandeiro a prosseguir com os rituais.
 
Sem perda de tempo o pajé foi à sua floresta e trouxe um casal de pássaros de cor verde, bem novinhos, com as mesmas características de um papagaio, mas não eram papagaios, tratava-se na verdade de um casal de periquitos.
 
O pajé sugeriu que Juquinha cuidasse deles por um período de doze luas. Os pássaros não poderiam ser presos em gaiola ou viveiro carecendo, portanto, de serem criados com liberdade total.
 
A verdade é que com a chegada do casal de periquitos a alegria voltou a reinar na vida do garoto até então apático, meio acabrunhado e cheio de timidez.

Já na primeira semana de convivência com os dois pássaros Juquinha já conversava com eles sem parar. Era uma espécie de diálogo sem pé e sem cabeça, mas que servia para desinibi-lo cada vez mais.
 
Por mais incrível que pudesse parecer aos olhos dos seus amigos e conhecidos, os pais do garoto não cabiam dentro de si de tanta felicidade. Para eles, era Deus no Céu e o velho pajé na Terra e aquela inibição, que era a marca registrada do seu filho, aos poucos ia ficando para trás, dando lugar a uma nova vida cheia de alegria e de novas descobertas.
 
O tempo foi passando no seu compasso natural e com o passar dos dias, aqueles dois pássaros cujas asas no início eram formadas apenas por algumas penugens e que não reuniam maiores condições para voar alto, criaram asas robustas e passaram a alçar vôos para lugares cada vez mais distantes.
 
Num desses vôos para um desses lugares distantes, um dos pássaros, o maior deles, não voltou mais. Retornou apenas o menor e tão logo apareceu nas árvores do quintal do garoto tratou de posar nas mãos dele, como se estivesse a se transformar no seu verdadeiro presente.
 
O velho pajé, por sua vez, era uma pessoa muito astuta e segundo suas experiências vivenciadas no âmbito da única floresta existente naquela região, no mesmo ambiente onde aqueles pássaros eram criados, eram as fêmeas que possuíam aquelas características, ou seja, eram bem menores que os machos e normalmente eram bem mais amorosas e mais caseiras.
 
Com o sumiço momentâneo do pássaro maior Juquinha ficou meio triste e por pouco não entrou num ligeiro processo de depressão. Contudo, fazendo valer o dito popular que afirma que “mais vale um pássaro nas mãos do que dois voando”, ele procurou se restabelecer daquela perda sofrida e aos poucos procurou se contentar com o retorno daquele pássaro remanescente que decidiu posar em suas mãos, voltando a viver sua vida com alegria e em busca de novas descobertas.
 
Comenta-se que durante o lapso temporal de doze luas estipulado pelo velho pajé esse pássaro menor sumiu e voltou por diversas vezes, ao passo que o outro desde o primeiro sumiço, nunca mais voltou.
 
Os moradores mais crédulos afirmam que fora graças aos poderes da periquita trazida pelo pajé que o Juquinha ficou curado.
Por conta disso, os rituais de pajelança na comunidade do Juquinha se sucederam por mais algumas luas e tudo que se sabe a respeito do seu comportamento atual é que ele não pode ver uma periquita nova na sua frente que ele fica logo assanhado e procura fazer de tudo para ela pousar em suas mãos.
 
Outros afirmam, de pés juntos, que o fato de outras periquitas aparecerem de vez em quando nas árvores do quintal de sua casa e após alguns minutos de conversas sem pé e sem cabeça ficarem propensas a pousar em suas mãos, também o tem ajudado sensivelmente na eliminação de sua timidez e na manutenção do emprego do velho pajé. 
 
Que venham mais periquitas!
Germano Correia da Silva
Enviado por Germano Correia da Silva em 31/05/2009
Reeditado em 15/12/2010
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