O CAIPIRA, O FEITICEIRO E OS CARONAS

O vaqueiro Quinzinho estava na venda do Gamelão, bebendo pinga e contando um causo:

Quando eu era rapaizinho tinha um vizinho, o Tunico seis dedo, ele tinha seis dedo numa mão, ai de quem chamasse ele de seis dedo, ele era feiticero, todo mundo tinha medo dele. Se sumia uma reis, ele fazia uma mandinga: acindia uma foguera jogava porva nela, pra onde a fumaça pendesse, era só i pricurá praquela banda que achava ela...

Se tinha cobra numa fazenda, ele ia lá e binzia e as cobra sumia tudo. Se tivesse erva venenosa, ele binzia e as erva murria tudo... Ele vivia era disso de benzição, fazê uma mandinga mode muié arrumá home, home arrumá muié...

Um dia eu tava na portera na bera da redovia, era dia de sábado, isperano a jardinera mode i lá na cidade e farriá. O Tunico foi chegano e ficô lá prusiano isperano a jardinera tamém. Eu oei no relógio e falei:

-Ih, sô Tunico, ainda farta meia hora pra jardinera passá, e ela ainda custuma atrazá muito. Ele respondeu;:

-Preocupa não, nois vai arrumá uma garupa, num vamo isperá a jardinera não.

E deitou o ovido no chão, ficô lá um mucadinho, levantô a cabeça e falô:

-Mais ô meno meia légua daqui, tá vino um carro... mais é carro piqueno, vai Pará não.

Daí a pôco passô um carro, passô tuchado, o motorista nem oiô pra nois. Ele deitô o ovido no chão e falô:

-Mais ô meno uma légua daqui ta vino outro carro... é carro piqueno de novo, vai Pará não...

Dito e feito, daí a poço passô outro carro dirriçado, levantano uma nuve de puera.

Assim que a puera baxô ele deitou no chão de novo e falô:

-Tá vino outro carro, carro grande, caminhão, pode marcá no relógio, daqui cinco minuto nois ta dento dele...

Tirei o relógio do borso e marquei a hora. Cinco minuto despois um caminhão tava parano pra nois. Eu fiquei incabulado cum aquele trem. Pulemo na carroceria dele e fumo pra cidade. O motorista num cobrô as passage de nois, e eu fui pra Zona caçá a muiezada. O que ganhei num mêis, gastei cum a putaiada e cum cachaçada.

Passado uns dia, eu tava vortano de a cavalo do sitio do cumpade Zenão, eu tinha ido lá mochá um gadinho para ele, e topei com o véio deitado na bera da istrada cum o ovido no chão. Eu de riba do cavalo falei:

-Tá divinhano que carro ta vino Sô Tunico? Ele respondeu:

-Caminhonete Ford Azul, praca 6899!

Eu fiquei admirado, ele já divinhava até a cor e a praca do carro, né?

Ele Cuma vois fraquinha ripitiu:

-Caminhonete Ford azul, praca 6899!

Eu apiei do cavalo e falei:

-Uai, sô Tunico, o sinhor miorô muito, já divinha até as praca e a cor do carro que em vem...

Aí que eu vi que ele tava todo iscalavrado, e falô brabo:

-Me ajuda aqui, fié da puta, eu num tô divinhano nada não, eu tô é te contano a praca do carro que me atropeçô...

HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 01/06/2009
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