VIVIDOS, OUVIDOS E RIDOS - causos de gaúcho - 01 - BATISTA

Como muitos causos, contados aqui, serão sobre o Batista, necessária se faz esta apresentação.
João Batista Cristofari nasceu no começo do século, em Bom Respiro, município de Jaguari, perto de onde morou a fa­mília de meu pai, Atílio Lena Berni. Faleceu em São Borja, no ano de 1982.
Serviram juntos em Santa Maria, onde ele já começou a dar mostras de suas "qualidades".
Numa ocasião, teve seu mosquetão roubado em pleno serviço de sentinela, certamen­te por pegar no sono. Meu pai, que era cabo, conseguiu con­tornar, sei lá como, e ele fi­cou muito amigo seu. Como trabalhava no rancho do quar­tel, conseguia alguma coisa pa­ra melhorar o boião e agradar o seu benfeitor.
Deram baixa na mesma época e meu pai logo casou. Passado algum tempo, o Ba­tista apareceu, corrido de casa pelos irmãos (enquanto esses trabalhavam na roça, ele só queria saber de caçar e pescar). Minha mãe falava que foi na porta da cozinha, com o sol por de­trás. Calça de riscado ralinha, que mostrava as "partes", espingarda taquari1no ombro, chapéu e chinelos velhos. E só. Nunca mais deixou a nossa família, que se mudou para São Luiz Gonzaga, onde nasci, e depois morou em São Borja. Quando meus pais faleceram, eu, já casado, fiquei morando na casa e herdei o Batista, que já era figura muito conhecida e benquista em São Borja.
Baixote e atarracado, de pai e mãe vindos da Itália, falava uma mistura de sotaque italiano com pêlo-duro2, jamais pro­nunciando o som de dois "erres". Lia só para o gasto, acompa­nhando as sílabas com a boca. Idade mental de criança, coração boníssimo, tarado por rádio, jogo de qualquer espécie (baralho, bicho, futebol, "desportiva") e gatos.
Sobre rádio, dizia: Eu não havéra de morrer sem ter um portate de meu! Acabei lhe dando um, marca Mundial, com a condição de que fizesse falar sem ajuda. Ficou tão emocionado e tinha dedos tão grossos, que não conseguiu virar o pequeno botão. Ganhou assim mesmo.
Sobre jogos, chegou a ser bicheiro até o dia em que um garranchado 3 pareceu um 8, numa centena na cabeça, e acabou dando bode. Na "des­portiva", cravava, contra qual­quer favorito, nomes de sua maior simpatia. Era Lagarto no Nordeste, Espinho em Por­tugal, Murcia na Espanha (di­zia murcía(morcilha), daí...
Sobre gatos, tinha uma liga especial. Chegava numa ca­sa, chamava qualquer um de um jeito só seu e lá se vinha o bichano a ronronar pro seu la­do. Teve o Chibito, o Bitico, a Maceguinha e outros. No in­verno, colocava dois ou três nos pés, para esquentar.
Assobiava sempre a mesma coisa e era como se estivesse as­soprando fogo. A respiração comandava, ele assobiava "pra dentro" na hora de puxar o fôlego.
Tinha a mania de ameaçar com "um facão nos beiço" a quem discutisse com ele, para isso "inventando" verbos. Por exemplo: se eu lhe dissesse que iria escrever um causo sobre ele, responderia: "te causiá um facão nos beiço"!
Suas maiores características eram a teimosia e as "tiradas" completamente diferentes e fora de lugar.
Para ele, quem estudava e se formava, não passava de um "burro estudado".
Quando perdia alguma coisa, jamais reconhecendo ter sido ele, já vinha perguntando onde é que tinham "enfiado". Ele fi­cava com a chave da porta da cozinha, para entrar de madrugada e fazer fogo no fogão a lenha. Perdeu muitas, até que coloquei numa corrente e esta passada num quadro de sinaleira de caminhonete Chevrolet. Foi um santo remédio, ninguém mais "enfiou".
O seu apego às crianças era muito especial. Quando bem novinhas, ele, invariavelemente, pegava-as pelos bracinhos e, erguendo-as acima da cabeça, esfregava o nariz em suas barrigas, dizendo: quedê o gulizinho ou quedê a guliazinha? Não tinha vez que elas não adorassem. Depois, tinha um enorme orgulho de levá-las, pela mão, ao colégio. Uma vez, combinei com um fotógrafo para tirar, sem que ele notasse, algumas poses. Ele bateu de frente e por trás e o Batista, empolgado, nem notou, (tenho fotos que provam).

À sua memória, dedico estes causos.

taquari - espingarda de carregar pela boca
pêlo-duro - nativo da região