Aquilo não era hora do portãozinho do jardim bater.Alguma coisa estava errada.
 
Marina,aquela mesma que um dia se pintou,estava deitada com o amante na larga cama de casal, naquele inicio de uma noite fresca de outono,não só pintando como bordando,numa cavalgada morro acima ,morro abaixo,com uma fúria de cossacos.
Tudo ia bem, não fosse o raio do portão.
Ela se levantou,preguiçosa,enrolada num lençol e falou,a voz alterada:
-Meu marido!Depressa, não vista nada e fique em pé,ali,naquele canto.Sim,aí,ao lado da cortina.
Num instante, cobriu o corpo do amante com um óleo perfumado e tascou-lhe talco por cima.
Ainda exigiu que ele dobrasse o joelho,numa pose harmônica e levantada a mão,como foi sugerido,segurasse uma tijelinha de frutas.
O marido entra, assoviando um tango conhecido,beija a mulher com um ar distraído,dá de frente com a estátua e pergunta:
-O que é isso!?
-Uma réplica de um escultor famoso. Vi na casa dos Silveira,uma vez e adorei.Comprei para enfeitar nosso quarto.
As mulheres!Tranqüila,calma,como se nada tivesse acontecido foi se deitar.
Até o comecinho da madrugada ninguém falou mais na estátua.
A mulher logo caiu no sono dos justos e o marido, como fazia todas as santas noites,depois de um soninho leve,saiu devagar do quarto e foi ver televisão.
Daí há poucos minutos desceu,foi até a cozinha,fez um suculento sanduíche,abriu uma latinha de cerveja long-neck e voltou ao quarto.Na ponta dos pés.
-Toma,disse para a estátua.Fiquei quase dois dias na casa dos porra dos Silveira e nem um copo dágua me deram...
Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 23/07/2009
Código do texto: T1715111
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