"ROLANDO LADEIRA ABAIXO"

E lá vai ele, todo garboso, metido que só! Indo ladeira abaixo, bem devagarzinho porque se perder o passo ou tropeçar já era, vai rolando, rolando, quicando e rolando ladeira abaixo, até parar na porta do botequim da esquina.

Isso acontecia sempre, quando era mais novo e gordinho, mais ou menos dos nove anos até seus treze. A molecadinha turminha da rua se rolava de tanto rir quando isso acontecia, eles faziam de propósito, pois sabia que ele não conseguia parar se tropeçasse, então davam sempre um jeitinho para que ele tropeçasse, e lá ia ele rolando, quicando, rolando ladeira abaixo até chegar ao botequim todo ralado de cima a baixo.

Mas agora já estava com seus vinte e oito anos, magro, boa aparência, simpático e o que mais chamava a atenção eram seus olhos, sim grandes olhos azuis, pois quando era menino para adolescente não apareciam tanto por causa das bochechas, ficavam praticamente quase que fechados, e ainda por cima um óculos escuros, preto pra dizer o certo, mas sempre arrumadinho, certinho, impecável, mas quando tropeçava, ih coitado, - lá ia ele rolando ladeira abaixo, todo ralado, na roupa não sobrava um pedaço que não tinha um rasgo, ia direto pro lixo, nem pra pano de chão servia.

Mas agora homem feito, não usa mais óculos, resultado de uma operação muito bem sucedida, bem educado, servindo à aeronáutica, sonho de sua mãe e dele também, desde pequeno colecionava aviões, qualquer tipo, contanto que fosse aviões, chegou a ganhar navios, mas dava sempre um jeito de trocar por um avião, de preferência diferente sempre dos que já tinha.

Sua coleção não parou não, continuava, mas agora ele mesmo montava, sim, virou além de tenente aviador, era da turma de aeromodelismo que na própria academia havia formado com mais uns oito colegas, colegas não, amigos mesmo, desde o colegial. Formavam a esquadrilha da fumaça. Tinham que ser amigos, pois um dependia do outro para as acrobacias no céu, e que acrobacias, eram perfeitos, bem sincronizados, a mãe ficava toda orgulhosa e encantada, viúva já há uns dez anos, nunca mais se casou, vivia para esse filho que era seu bem maior, mais precioso. Ele um homem, sem vícios, começando agora um namoro firme, quase noivo, as alianças já adquiridas faltando só marcar a data para a comemoração. Vão fazer uma festa simples, mas com tudo a que eles têm de direito, salgadinhos, champagne, docinhos e o tradicional bolo apenas um andar porque no casamento será de pelo menos três andares.

Família pequena, apenas um irmão da mãe com esposa e um casal de filhos, mais os amigos da Esquadrilha e suas respectivas esposas ou namoradas, mas e a turma da rua não irá? Se estiverem por perto. Ele continua na casa onde nasceu, os amigos da rua também, mas a maioria foi estudar fora, uns no exterior e outros em cidades vizinhas. Viam-se, mas não com tanta freqüência, difícil encontrar todos juntos, mas quando isso acontecia era terrível, sempre acabava nas lembranças do rolando ladeira abaixo, na época ele sofria, ficava triste com as brincadeiras, mas também sempre dava um jeitinho pra descontar em um ou outro. Ah, mas não era só ele que rolava, era o que mais rolava, mas os outros também rolavam ladeira abaixo até o botequim da esquina.

ARACHIN
Enviado por ARACHIN em 11/02/2010
Reeditado em 19/02/2010
Código do texto: T2080739
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