VEM RINDO

A bebida alcoólica, de todas as substâncias que causam dependência e malefícios à saúde, talvez seja a pior. Não porque seja a que destroça mais rapidamente o seu consumidor habitual, o viciado em álcool, mas porque o seu consumo está cercado por uma série de complicadores.

Em primeiro lugar, porque ela é socialmente aceita. Em segundo porque, exceto por algumas restrições — como, por exemplo, dirigir depois de ingeri-la em certa quantidade e da proibição de vendê-la a menores — a sua comercialização é livre e legal em nosso país e, de resto, no mundo ocidental. Em terceiro, mas não por último, porque em muitas culturas (na nossa, inclusive), o bêbado é menos motivo de censura e preocupação do que de zombaria e diversão para a platéia.

Mas o vício do álcool cobra um alto preço, dos dependentes e de suas famílias. O que parece não preocupar, muito ou pouco, aos que se divertem com os vexames que o ébrio apronta e com os “micos” que paga. Então, o anedotário sobre bêbados só vai aumentando, enquanto cômicos e humoristas exploram este filão em seus “scripts” e textos.

Com certeza não se pode negar que pessoas embriagadas costumam fazer e dizer coisas engraçadas, sobretudo, porque a ingestão de álcool provoca nelas uma evidente neutralização dos seus mecanismos de autocensura. Já tive a oportunidade de, como advogado, defender um cliente num desses processos a que respondem os que são flagrados dirigindo sob o efeito de alguma bebida alcoólica. Tratava-se de um profissional sério, corretíssimo em seus negócios, generoso com os seus empregados, um ser humano da melhor qualidade. Mas era dependente do álcool e isto, de quando em vez, punha a sua vida a perder, além de haver desgraçado o seu casamento.

Conversei muito com ele, na ocasião deste fato, e, pretextando precisar de provas que sensibilizassem o juiz no momento da sentença, pedi que procurasse um profissional na área da saúde, para iniciar um tratamento, porque eu precisaria da declaração de um médico que convencesse ao magistrado que ele, espontaneamente, estava tentando livrar-se do vício. Pedi isto várias vezes e, já nas proximidades das alegações finais no processo, eu telefonei para ele numa sexta-feira, dizendo que, sem a documentação que eu solicitara, a situação ficaria bem pior para ele, por ocasião do julgamento.

Com a voz já meio alterada pelo início da bebedeira que sempre coincidia com o final de semana, ele me disse que o motorista dele estava vindo ao meu escritório, para me trazer uma série de papéis. E, de fato, uns quarenta ou cinquenta minutos depois, chegou o motorista com um envelope pardo, fechado e pediu que a secretária o entregasse a mim.

Abri a correspondência para ver que tipo de documento ele me conseguira, mas o que encontrei lá foi a xerocópia de um livro de piadas: “Anedotas de bêbados”! Um completo irresponsável, mas um dos meus clientes mais corretos e queridos. Razão pela qual fui com ele até o fim do processo, que terminou numa “prescrição da pretensão punitiva” (como gostam de dizer os que são do ramo), graças à conhecida morosidade da Justiça brasileira. E não custa acrescentar que, tempos depois, ele realmente conseguiu controlar a sua compulsão para o uso das bebidas, mantendo-se em abstinência, até, pelo menos, a última notícia que tive dele.

Existem, no entanto, situações mais complicadas, envolvendo os bêbados. Ora, se existem! Como naquele caso em que o “bebum”, em meio a um porre monumental, deu um soluço e engoliu, junto com a cerveja, nada menos do que uma “ponte móvel” que lhe completava a dentadura. Engoliu, mas a carraspana era de tal ordem que, disto, nem se deu conta! No dia seguinte, em meio à ressaca habitual, notou a falta da prótese dentária, mas entendeu que ela lhe escapara da boca, em algum ponto da bebedeira e que precisaria procurar o dentista, algum dia, para colocar outra no lugar.

Só que, no correr do dia, depois de algumas refeições, aquilo entrou no bolo alimentar e foi — como é natural — procurando o caminho da saída. Mas tudo teria se resolvido com um final feliz, se aquelas “garrinhas” da ponte móvel não houvessem enganchado nas laterais do caminho, já quase na porta de serviço. Então, ficaram aqueles dois dentes lá na “comissão de frente”, barrando a passagem, enquanto a “velha guarda”, que sempre fecha o desfile, tentando chegar à área da dispersão, fazia a maior pressão para passar, mas sem conseguir.

Resultado: no dia seguinte, já desesperando com as fisgadas que sentia, foi procurar um proctologista, por sugestão da mulher. O médico mandou que o pinguço se colocasse em posição para o exame e, cutuca daqui, mexe dali, ilumina com aquela lanterninha de lá, o paciente, entre um gemido e outro, pergunta ao profissional:

— Então, doutor, o que é que tem aí?

E o facultativo intrigado e com a lanterna quase toda dentro do pinguço, para tentar entender:

— O que é, meu amigo, eu não sei... Mas o que vem, vem rindo!

Efetivamente, não deve ser muito comum encontrar dois dentes num lugar daqueles...