COM MEDO DA MOTORISTA

Em uma época, a empresa de ônibus da minha cidade(que é só uma)resolveu colocar motoristas mulheres em sua frota porque ficaram sabendo de uma pesquisa científica em que atestava que mulher gasta menos combustível. Pois bem, gostando muito de aventura e sendo motorista profissional também, como segunda profissão, lá se foi a Maria Lúcia se candidatar a motorista da empresa. Todos na minha casa acharam loucura, mas... Bobagem querer impedir...

Fiz o primeiro teste de seleção, passei, o segundo, o terceiro. Passado nos três testes: curso de ingresso. Lavagem cerebral: em primeiro lugar o passageiro, em segundo lugar, o passageiro, em terceiro lugar o passageiro, em quarto lugar pode ser você ou qualquer outra pessoa. Quinze dias ouvindo isto. No término dos quinze dias: prova escrita. Maria Lúcia, primeira colocada, dentre vinte e oito homens. Acho que eles pensaram: agora eu quero ver. Prova de esforço físico: Passei também, não em primeiro lugar é claro, mas em terceiro. Até eu fiquei surpresa. Era cada homem forte, disputando comigo e é igual o militarismo não tem essa de ser mulher não, tem que fazer o que tem que ser feito, eu já estava com 44 anos.

Primeira colocada: primeira a ser chamada, lógico. Só que me colocaram em um lugar que não era lá estas coisas. Em princípio questionei, pois pensava que por ter passado em primeiro lugar, pegaria a melhor linha, na minha cidade. Falaram-me que era questão de urgência, pois estava com necessidade de motorista e para mim seria a melhor linha que poderia existir, pois apesar de ser bem longe de casa, em outra cidade, seria trabalho de quatro viagens, entraria às 13 horas, sairia as l8, enquanto todas as outras linhas os motoristas trabalhavam sete horas e vinte minutos, seguidos, sem intervalo. Até aí, pensando por este lado, era mesmo a melhor opção para uma recém-chegadA, onde só homens haviam trabalhado.

A linha sairia do estado de Goiás e entraria na cidade do Gama, no Distrito Federal que era muito próximo. O percurso do bairro que eu saia até a rodoviária do Gama dava mais ou menos uns vinte quilômentros. Moleza.Quando cheguei à garagem, o chefe de tráfego me recebeu, desejando-me boas vindas e perguntando se eu tinha trazido o capacete e o colete contra bala, porque realmente o lugar é bem violento. Eu ri e levei na brincadeira, mas pensei: O que que eu estou fazendo aqui? É obrigação do motorista vistoriar o ônibus antes de começar a trabalhar, todos os dias, porque se quebra alguma coisa e o motorista seguinte pega o ônibus quebrado, ele quem tem que arcar com as conseqüências e assumir o defeito que o outro deixou, por isso que é obrigada a vistoria. Quando comecei a vistoriar o ônibus, que estava com o pára-brisa quebrado, perguntei ao chefe o que tinha sido aquilo. Ele me disse com a maior naturalidade: Ah! Isto aí, são os donos dos ônibus piratas que pagam os moleques para jogar pedras nos nossos ônibus, e não deu tempo para trocar o pára-brisa, a senhora relata isto aí, que não vai ter de pagar isto. Na hora que dei a volta vi um buraco que sabia ser de bala, bem no rumo do motorista. Perguntei novamente. Ele na maior das naturalidades novamente: Ah! Isto aí foi uma balinha que pegou o ônibus, mas não foi nada, entre mortos e feridos, salvaram-se todos." Vocês imaginam a cara que fiz?

Como era um bairro afastado, só tinha aquela linha de ônibus, ou as pessoas pegavam aquele ônibus ou ficavam até o outro dia esperando.

Aconteceu um caso muito engraçado na primeira viagem. Fui do ponto de partida até a rodoviária do Gama, ouvindo aquelas piadinhas comuns: "mulher no volante, perigo constante", "mulher tem que esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque", etc, isto vindo dos homens, as mulheres ficavam admiradas pois era novidade uma mulher no volante de um ônibus. Uma delas até me perguntou como que eu sendo tão frágil dava conta de dirigir aquele ônibus daquele tamanho? Ela deveria ter pensado que era na força física.

Saí da rodoviária do Gama de volta para o bairro da cidade. Na terceira parada, um senhor idoso, de mais ou menos uns oitenta anos pediu parada. Parei e fiquei esperando ele subir. Ele, de cabeça baixa, entrou. Quando ele viu que era eu no volante, ele parou, deu meia volta e disse: "Vou nada!". Desceu. Eu, o cobrador e os passageiros quase morremos de rir do senhor.

Eu fui, voltei e o senhor lá na parada. Não tinha outro jeito dele ir embora. Todas as vezes que eu passava, ele olhava bem antes de pedir parada. Eu quase morria de rir.

Na última viagem, ele sabia disso, pediu parada. Entrou e falou: "É o jeito eu ir, só tem este ônibus e é o último."

O lugar reservado para os idosos, era bem atrás do banco do motorista, do retrovisor dava para eu ver a expressão de medo que o senhor estava, coitado, ele é de uma geração que mulher não dirigia nada, nem a própria vida, imagina um ônibus...

Quando chegou no seu destino, ele pediu parada e antes de descer, pegou na minha mão e disse: "Obrigado, dona, foi até bom viajar com a senhora, Deus abençoe a senhora. Eu fiquei com medo à toa."

Eu falei umas palavras boas pra ele também, mas não fiquei na empresa. Achei que não era o meu lugar. Valeu a experiência!

Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles
Enviado por Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles em 17/08/2006
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