Vieram me buscar?

Dona Mercês, com 92 anos, tem a cabeça boa, a saúde em forma, mas precisa ficar na cadeira de rodas, porquanto os joelhos não querem mais obedecer-lhe. O que é muito cruel na velhice: o corpo não responde à agilidade e à lucidez mental. O corpo carunchado; a cabeça, madeira de lei.

Outro dia, seu genro Antônio chamou a ambulância a fim de levá-la ao hospital para uma consulta de rotina. Ao terminar a consulta, o médico disse-lhe que a pressão arterial estava um pouco alta. Depois de medicá-la, deixou-a um tempo no hospital até que a pressão voltasse ao normal. Ela não gostou nada. Resmungou mas em vão. Foi colocada num quarto com as luzes apagadas, coberta com um virol. Ali, deitadinha na cama, na quietude do quarto, Dona Mercês entrou em sono profundo. Decerto, uma rápida chegadinha ao céu, com passagem de volta, é claro.

O zeloso genro permaneceu na portaria, esperando o médico liberá-la para que ele novamente chamasse a ambulância e voltassem a casa.

Daí a pouco, chegam dois rapazes numa ambulância, vindos de uma cidade vizinha. Conversaram com a atendente. Antônio estava atento a tudo.

Eles vieram buscar o corpo de uma senhora que seria enterrado na cidade em Nova Serrana.

Receberam a orientação:

— Sigam por este corredor, virem à direita, entrem na segunda sala...

Os dois rapazes conversando distraidamente percorreram o corredor e abriram a porta do quarto onde estava Dona Mercês. Foram entrando, acendendo as luzes e puxando o virol.

Dona Mercês acorda e arregala os olhos:

— Vocês vieram me buscar?

Ela não entendeu por que os dois rapazes, no mesmo instante, saíram correndo da sala, os olhos arregalados de medo como se tivessem visto o demônio.

Só depois tomou conhecimento do engano e do susto que os rapazes levaram. Eles chegaram pálidos e sem fala à portaria. Restabeleceram-se com a calma elucidação do plantonista. E voltaram à busca do defunto neoserranense.

E Antônio ria de rolar....