Por baixo dos panos

Naquela grande loja de roupas íntimas femininas, "seu" Hugo era um cliente habitual. As vendedoras o conheciam pelo nome e sabiam que era para uma tal dona Marlene - cujo manequim elas também sabiam de cor - que ele, havia muito tempo, comprava semanalmente peças caras e sofisticadas. Frequentada em sua expressiva maioria (senão totalidade) por mulheres, a presença daquele charmoso homem precocemente grisalho na loja, toda semana, trazia às vendedoras um sopro novo, além da certeza de boas comissões de venda. Elas disputavam entre si a atenção daquele comprador assíduo e bonitão que também as conhecia, uma por uma:

- Bom dia, Joana, sua mãe está melhor? ...Oi Marta, espero que tenha feito as pazes com o namorado... Como vai a faculdade, Sílvia?

E para cada uma tinha um sorriso, uma palavra de ânimo, uma pergunta simpática, que era prontamente retribuída com o melhor dos atendimentos: “Chegaram umas peças novas, dona Marlene vai adorar...” “Seu Hugo, veja este conjunto de seda champanhe, vai ficar lindo na dona Marlene...” “Não esqueça do dia dos namorados, tenho certeza que dona Marlene está esperando algo especial...”

Certa tarde Hugo entrou na loja e ali encontrou Márcio, seu amigo desde a adolescência. Depois de alguns abraços efusivos e tapinhas nas costas, passaram a comentar sobre as lingeries expostas.

- Veja este top de renda, Márcio... super delicado, esse lacinho aqui na frente dá um "up", não acha?

- Realmente bonito... mas este fio dental preto é de deixar louco, Hugão! Sente o toque, é lycra das melhores.

- Verdade. Mas vi uma calcinha asa delta sem costura ali que...

- Nossa, combina to-tal-men-te com aquele sutiã estilo nadador...

E, empolgados, colocavam as peças na frente de seus corpos, às vezes se afastando um pouco para melhor observar o efeito da lingerie sobre o corpo do outro, tagarelando alegremente e eventualmente soltando gritinhos de euforia. As vendedoras, paralisadas, olhos arregalados, queixos caídos, assistiam a tudo à distância, sem nem tentar interromper aquele inusitado e divertido encontro de deslumbrados machos da espécie humana num templo feminino de moda íntima.

Uma roda de mulheres se formou em torno deles. Ao se darem conta da exposição a que estavam se submetendo, os dois homens imediatamente largaram as peças e pigarrearam em uníssono. Hugo olhou a platéia feminina ao redor deles e, com uma impostação de voz formalmente artificial, dirigiu-se às vendedoras:

- Meninas... tenho um segredo a revelar a vocês.

As vendedoras, imaginando o que seria dito, com muito custo continham o riso; mas ele continuou, agora com a voz e os olhos baixos:

- Eu tenho uma confecção de roupas íntimas femininas, concorrente desta. Venho sempre aqui para checar as novidades e tirar idéias para meus modelos. O Márcio, meu amigo aqui, é um conceituado técnico têxtil, a quem sempre recorro para analisar a qualidade dos tecidos. Desculpem se enganei vocês todo esse tempo.

As vendedoras ficaram repentinamente sérias, com um misto de decepção e alívio estampado em seus rostos. Confusas, foram se afastando devagar, ignorando os dois homens e amargando a perda daquele cliente tão bom - e das garantidas comissões no final do mês!

A roda de mulheres logo se desfez e os amigos foram saindo rapidamente da loja. Joana, a vendedora mais requisitada, visivelmente abatida, ainda deu uma última olhada enquanto eles se dirigiam à grande porta de saída; e pareceu-lhe ter visto, por baixo da camisa clara de Márcio, nítidas alças de um vibrante sutiã vermelho...

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Este texto faz parte do Exercício Criativo (EC) "Inconfessável segredo".

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