O Cão Dragão.

Nas férias escolares do ano de 1976 viajei para Gurupi, em Goiás, lá fiquei alguns dias na casa de minha avó materna e depois fui com meu tio Nonato para sua fazenda chamada “esconderijo” que fica a 25 km de Gurupi, tivemos que ir de bicicleta, pois meu tio não tinha carro e não havia transporte coletivo para aquela localidade.

Então comecei meus preparativos para viagem, pois, ficaria pelo menos 15 dias na fazenda com meu tio e seus filhos e esposa, já que só retornaria para Goiânia no final do mês de Julho para poder retornar as aulas no inicio de agosto.

Meu tio chegou na casa de minha avó, sua mãe e disse que queria que eu fosse com ele passar uns dias em sua fazenda, aceitei logo de cara porque gosto muito da natureza que se encontra no serrado Goiano, comecei meus preparos enquanto meu tio foi ao mercado comprar alguns mantimentos, quando meu tio voltou do mercado, trouxe consigo um cachorro preto amarrado pelo pescoço com um fio e foi logo dizendo:

-O bichim tava perdido e me seguiu, então chamei ele e cuidei logo de amarrar, La na fazenda ele será e boa serventia.

-E como vamos levar ele?

-Amarrado mesmo, tu vai puxando.

-E não é muito longe?

-Se ele cansar põe no colo contigo,

-E como o senhor vai chamar ele?

-Vou chamar ele de Dragão mesmo!

-E por que Dragão?

-Ele tava deitado num papelão que tava escrito “querosene dragão”.

-Tudo bem então.

Daí nos preparamos e, por volta das quatro horas da tarde pegamos o rumo da fazenda “esconderijo”.

Não sabia o porquê daquele nome, mas também não quis perguntar durante a viagem, sabia que ao chegar lá iria descobrir por que “esconderijo”.

E a viagem foi a minha primeira grande aventura naquele mês de julho, pois como era distante tivemos que fazer várias paradas, inclusive para colocar o cachorrinho no colo, pois ele ficava com a língua pra fora de tão cansado e também algumas paradas para descansar e tomar água e de vez em quando um café fresco, pois no percurso passamos por varias fazendas de pessoas amigas do meu tio, então eles nos convidavam para um café.

De Gurupi, até a fazenda “esconderijo” foi mais de seis horas de viagem entre paradas e pedaladas. O problema é que meu tio vez em quando soltava uns “puns” e como eu estava sentado na garupa da bicicleta era o mesmo que me jogar merda. Rapaz era caba peido que afastava até gambá, mas, fazer o que né? Não tinha pra onde correr, era ele soltar um e eu me abanar na garupa e dizer:

“não tio, me caga logo”.

Ou então:

“Joga em tora que me defendo, pois em vento não dá pra defender”

Mas teve um momento que pedi pra ele parar a bicicleta que eu iria terminar o trajeto andando que não queria morrer de fedô, mas meu tio muito sacana e brincalhão falou:

-Ôoo meu filho, me perdoa, prometo te avisar da próxima vez!

-Tão tá tio, continua pedalando, mas pedala ligeiro que assim o vento leva mais depressa o fedor.

Não adiantou muito, de vez em quando meu tio acelerava as pedaladas, então eu sabia que ele ia soltar outro pum.

E soltava mesmo, era um atrás do outro e pedalava, pedalava, mas sem resultado, o fedor acompanhava a gente então eu gritava.

-O senhor assim vai cagar no mundo todo,

-Valha-me Nossa senhora, ele comeu ovo,

-Se salvar-me desse cristão cagão,

-Prometo à Senhora, rezar um terço,

-Que a Jesus Cristo ofereço,

- Pedindo sempre a sua benção,

-Livrai-me desse mau e daí-me,

-Saúde, felicidade e perdão.

Depois que lhe falei isso ele se abriu na gargalhada e pedalava e peidava, cada giro da coroa da bicicleta era um pum que ele soltava.

Depois de muitas pedaladas e peidadas, lá pelas dez horas da noite chegamos à fazenda “esconderijo”, cheguei meio amarelado, mas cheguei com vida, então tive que cumprir o prometido e rezar o terço antes de dormir.

No dia seguinte começou as verdadeiras férias na fazenda, então fui saber por que se chama “esconderijo” é que para se chegar lá, varias voltas temos que dar, como se fosse um espiral, realmente fica bem escondida.

Um belo dia meu tio resolveu desmanchar um paiol onde ele armazenava feijão, milho e arroz. Começamos o trabalho e de repente avistamos um rato, e depois outro e outro, então meu tio disse:

-Vixe minino, aqui parece até que tem rato! Vamos já descobrir de onde tá vindo tanto rato.

Então pediu para eu apanhar um balde d’água para jogar num buraco no chão que tinha no paiol. Quando ele jogou a água no buraco saiu tanto rato e foi o maior corre-corre.

-Pega minino, mata o rato, mata o rato, corre pega uma vara, chama o cachorro.

Pra nossa surpresa o cachorrinho que trouxemos da cidade começou a pegar os ratos e estraçalhava todos que pegava. Meu tio ficou abismado e falou:

-Viu, não disse que o bichim seria de grande utilidade aqui!

E foi mesmo, o cachorrinho pegou pra mais de dez ratos, meu tio, eu e meus primos pegamos outro tantos, no final da operação “mata o rato” contamos mais de cinqüenta cadáveres, tivemos que jogá-los bem distante da fazenda, pois quando apodrecesse iria soltar um mau cheiro muito forte.

E a experiência da operação “mata rato” foi muito engraçada, pois naquele momento vivenciamos varias situações hilariantes cheguei a abater um rato com uma vara de bambu d e mais de dois metros, segurei numa ponta e quando um rato ia passando na tentativa de fugir eu mesmo sem mirar, na verdade nem pensei que fosse acertá-lo dei-lhe uma varada que acertou bem no meio do rato que ficou no chão só o “mingau” de rato, estourou ele bem ao meio, meu tio gritou lá do paiol:

-Eita muleque bom de mira! Gostei de ver meu filho.

Pra que ele falou aquilo? Fiquei todo prosa, me achando o bam-bam-bam.

Daquele dia em diante La na fazenda “esconderijo” fiquei conhecido como o terror dos ratos de paiol.

Para meu Tio Nonato.

Bert Noleto.

Bert Noleto
Enviado por Bert Noleto em 22/11/2010
Reeditado em 22/11/2010
Código do texto: T2630192
Classificação de conteúdo: seguro