ERA UM DENTISTA DESSES QUE EU QUERIA...

Dizem que as anedotas correntes numa sociedade originam-se, apenas, de umas vinte a trinta histórias básicas, que fornecem a estrutura para todas as demais. No Brasil, por exemplo, tem a do bêbado, a do papagaio, a do Joãozinho (êta menino danado!), a do português, a do marido traído e — dentre outras vinte e tantas — tem, evidentemente, a do dentista.

É isso mesmo! Contador de anedotas que se preza, neste “país de banguelas”, não pode deixar de ter em seu repertório, uma boa dezena de piadas desses simpáticos profissionais, que sempre nos deixam boquiabertos, em duas circunstâncias: quando fazem o seu trabalho e quando nos apresentam a conta.

No anedotário nacional, tem dentista esperto (o que não passa de uma brutal redundância), tem dentista “garanhão”, tem dentista distraído, tem dentista impaciente e tem paciente de todo tipo, jeito e maneira.

Dessas histórias de dentista impaciente, eu gosto muito é daquela em que o profissional havia acabado de fechar o consultório, num dia de sábado e quase na hora do almoço (e pelo visto, a história passou-se em alguma cidade do interior), quando foi atalhado por um “não cliente”, alucinado de dor:

— “Dotô” me ajude, que eu nem “drumi” nesta noite, de tanto “qui mi dói a disgraça” deste dente!

O profissional ainda tentou argumentar que “agora não dá meu amigo, que já fechei o consultório, que já desliguei a chave geral, que a família está esperando para o almoço, que volte segunda-feira, que também tenho o direito de descansar...”. Mas foi tudo inútil.

A cada desculpa que dava, o homem do boticão ouvia um gemido mais alto e percebia que a disposição do tabaréu era a de fincar acampamento na porta do seu consultório, até encontrar alívio para a sua dor. Irritadíssimo, abriu tudo outra vez, ligou a chave geral, fez o homenzinho sentar-se na cadeira e escancarar a boca.

Viu que era caso de extração, preparou aquela seringa horrorosa — que os dentistas, só por sadismo, experimentam de agulha para cima, bem na nossa frente — e mandou, no indigitado cidadão, uma anestesia troncular (aquela que deixa a metade do rosto dormente, pelo resto do dia). Sem xilocaína, nem nada!

Mal o inoportuno fez aquela cara de que a dor já ia aliviando, o odontólogo partiu para cima dele, empunhando o afastador de gengiva e o boticão, tudo de uma vez só, que era prá não perder mais tempo.

E mexe daqui, cutuca dali, faz força dacolá, o profissional acabou trazendo, na ponta do boticão, um dente bonzinho, limpinho, sem uma cárie sequer. Olhou para o paciente — que fazia aquela expressão de “já posso cuspir?” — e disse, com uma indisfarçada satisfação:

— Este aqui, é para você aprender a não me atrapalhar mais o almoço do sábado! Agora, vamos extrair o que está doendo...

Era um dentista desses que eu queria. Mas só para cuidar dos meus inimigos!