A coisa [Do divã da Diaba]

(Najah ÐL®)

O amigo chegou desesperado. 'Preciso de ajuda, preciso me livrar da coisa, estou ferrado, não consigo mais escrever nada que a coisa pula em cima, entope minha caixa mental com bytes pesados em inúmeros megas idiotas que ela passa o dia...'

- Calma... senta aí.

- Você sabe, tudo é pelo livro, por isso ando contatando tantas, preciso aplicar as idéias para ver se funcionam, não sou galinha!

- Sei. Você é o mesmo de sempre, com desculpas ou sem...

- Me ajuda, me ajuda!

- Descansa. Sairei em uma investigação fundamentada.

Munida da mais alta tecnologia: um batom com teor de água a 37%, um protetor solar fator 30 (um exagero, mas a causa merecia), sandálias sem plataforma, e um delicado aroma atrás das orelhas e dos joelhos (nunca se sabe...), me coloquei à caminho de um dos estudos mais difíceis da minha vida.

- Amigo, você está mesmo ferrado. A coisa é uma orquestra, só que cada membro produz uma nota diferente num mesmo momento. Estou quase tendo uma síncope de desestrutura neuroniana. É um rap sem sentido, uma batida metaleira com um tum tum tum que quase me ensurdeceu os pés e um bolero junto com piano, mais aquele tango desesperado e sem fim. Vi até o Seixas com a mãozinha de fora tentando fazer sinal pro Paulo pra ver se dava fim naquilo. E a toada infantil, então? "Sou a bruxa feia da floresta, a saci fêmea, o boitatá, o boto desesperadamente cor de rosa" e mais um monte desse inverso que eu nem quis ver de tanto medo. Você não podia lançar um pré-livro só com aquela parte de como a auto-estima é importante, mas que o exagero é prejudicial? Não? Pena, talvez desse um jeito na coisa. Embora se saiba que quem sabe uma valsa dança todas, precisamos de ajuda. Sozinha não vou conseguir. Talvez se chamasse o zeca? Mas se ele começar a puxar: 'se eu quiser beber eu bebo, se eu quiser fumar eu fumo..." já vai ser a conta pra coisa começar com os conselhos. A coisa ainda é conselheira! Talvez um dos amigos pagodeiros? Acho que não, também. Eles estão quase extintos e vivem em pequenos grupos no subsolo falando baixinho, baixinho... O wando! Não, o wando é amigo e ele gosta de variar nas calcinhas, ia acabar com a inspiração dele... que fazer? quem chamar?

Depois de pensar por quase meio minuto, decidi que seria necessário uma medida efetiva. Peguei a erva, saquei do caldeirão com todo respeito, acendi a pira e aproveitei para acender o cigarro ali mesmo no fogão, enquanto deitava a erva cidreira na mais pura água cristal.

Munida destes, com toda a pompa e circunstância que o momento exigia, me refastelei no sofá enquanto sorvia a doçura daquele chazinho alucinógeno e revelador. Erro que me renderá anos de dor nas costas com a admoestação médica de que sofalite não tem cura. Dormir por horas seguidas me encurtou o tempo de vida acordada e ainda eu não tinha noção do que fazer. Mas como grande estudiosa dos assuntos do tao, não enlouqueci com o tempo porque sei que a noite é uma criança e teria chance de uma nova tentativa. Iria dar uma volta no astral. Sempre funciona. Peguei o meu mega-ultra-blaster aspirador de pó dotado de controle remoto, montei num pulo certeiro e me dirigi ao esmo lotado. Não sei se foi o sobrepeso da bexiga cheia ou se fiquei viajando por muito tempo, o tal começou a falhar. Precisava tomar uma atitude drástica: de bunda, de cabeça ou...? Resolvi lançar fora o saco de pó. Acabei por me sentir feliz já que algum cientista sério irá fazer uma coletiva atestando a veracidade de uma nova formação de poeira cósmica criada no dia de abertura do portal 818 com seu disparo cósmico. Enfim, contribuí de alguma forma para que o dia não fosse perdido. Mas perdida estaria eu se não me mandasse pra casa com rapidez. Vinha dirigindo em velocidade estupefaciante quando, não sei se pela velocidade, ou se porque vi coisas zanzando por ali também, abriu-se a clareira da revelação!

Quase me espatifo no muro da 23 com a radial e em uma guinada de 360 graus que me fez voltar ao ponto de partida, finalmente cheguei em casa, sã e salva. Encontrei o amigo em um surto de depressão aguda onde conseguiu acabar com todos os meus sequilhos, degustados insanamente com minha última reserva de gatorade. Decretei:

- Chinelada!

- Quê? Quero me livrar da coisa e você quer que eu dê umazinha com ela?

- Não... Barata! Coisa barata a gente mata com uma chinelada certeira...

Najah DL
Enviado por Najah DL em 16/10/2006
Reeditado em 16/10/2006
Código do texto: T265716