Amor de sogra

AMOR DE SOGRA

Santo Antônio quando quer nos castigar atende nosso pedido, pensava Eliseu. Mas apesar de tudo não seria justo dizer que ele havia se arrependido de seu casamento com Fernanda. Filha única, ela era uma jovem bonita e até certo ponto boa esposa.

Como todo quarentão após o divórcio, Eliseu não hesitou em ter por alguns meses uma vida de playboy, saía de quarta a sábado com os amigos, voltou a morar na casa dos pais, dispensava mais cedo os funcionários da empresa, o que já lhe rendia pequenas perdas financeiras, e adorava levar um puxão de orelha da mãe quando chegava de madrugada, o que o fazia sentir-se um adolescente aos quarenta anos. E para coroar essa segunda juventude resolveu casar-se com Fernanda, apenas dois anos mais velha que seu último filho.

O começo foi maravilhoso. Eliseu via nos beijos da esposa o verdadeiro néctar da juventude. Mas fato é que o tempo passou e os hábitos infantis da esposa, antes graciosos e agradáveis, passaram a parecer enfadonhos e até irritantes. E nesse tempo descobriu na sogra as virtudes saldáveis da mulher madura.

Cilene era uma mulher decidida, que não devia nada em beleza à filha. De fino gosto estético e excelente nível cultural. Pena não tê-la conhecido antes, murmurava Eliseu. A ele não faltava criatividade para visitar os sogros e passar horas em companhia da sogra ouvindo vinis arranhados de cantores há muito falecidos. Os dois tinham praticamente o mesmo gosto musical, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Beatles, Jacques Brel... Já Fernanda estava sempre grudada em seu MP5 a ouvir Calipso, Calipso Acústico, Calipso ao Vivo, The Best of Calipso... Por essa e outras, Eliseu tinha certeza, se não fosse a sogra o seu casamento teria terminado há muito tempo.

Mas a política de boa sogra teve prazo de validade. A segunda mãe durou até o sepultamento do sogro. Já mesmo no enterro do velho, a jararacuçu que jazia latente em seu peito, começou a se manifestar. Primeiro veio a crítica pela pouca ajuda financeira no velório. Em seguida começou a cobrança pela proximidade da filha e dos netos. Até mesmo os vinis arranhados começaram a incomodar Cilene, que os trocou por pequenos aparelhos com som digital e fones de ouvido.

Acontecia que agora era a vez da sogra sentir-se jovem. Começou saindo com amigas solteironas ao baile. Mas não demorou a achar isso ultrapassado demais e passou a visitar boates, trocou o tailleur por saias cada vez mais curtas, o batom de cor neutra passou a ser cada vez mais vermelho e o cabelo chanel já ostentava um mega hair abaixo da cintura.

Decidido, Eliseu armou um plano para ter sua boa sogra de volta, precisava arranjar uma paixão para Cilene. Arrumou Viana, um ex-sócio, senhor elegante, boa pinta, ex-jogador de tênis e agora empresário falido, o cara perfeito para os planos de Eliseu. O único problema era que o homem era o que se chama de pegador. Não ficava duas semanas com a mesma mulher e não estava disposto a abrir mão da liberdade pelo pedido de um amigo. Por isso, Eliseu usou todo o seu poder de argumentação, ressaltou a beleza da sogra, a aparência jovial auxiliada por Renew e uma cara visita a Ivo Pitanguy no ano anterior, no entanto, o fator determinante foram três cervejas e duas onças-pintadas colocadas dentro do bolso de Viana.

O plano era o simples, todas as segundas, logo pela manhã a sogra levava o velho Maverick do sogro para o lava-jato próximo a praia. Enquanto o carro era lavado ela passeava com Peny, sua cadelinha poodle. Portanto, bastava Viana chegar junto a sogra e passar-lhe uma cantada, boa pinta que era, dificilmente uma mulher iria residir-lhe e caso seu charme não fosse o suficiente bastaria mostrar as chaves do Mercedes SLK que Eliseu havia alugado justamente para ocasião.

Na segunda pela manhã Eliseu recebeu um primeiro telefone, era Viana confirmando a placa do carro e o corte mal feito no rabo da cadela. Perfeito só podia ser Cilene. Duas horas depois, já em seu escritório, ele recebeu uma primeira mensagem no celular, Vc tinha razao kra, essa mulher é fogo mesmo. Eliseu ficou um pouco constrangido com o tratamento à sogra. Mas estava feliz pelo plano ter dado certo, logo, logo teria a velha companhia de Valdique Soriano de volta. Mais alguns minutos e recebeu outra mensagem, Kra a gata eh d+. Jah demos 2 e ela foi tomar banho pedindo outra.

Que homem abusado, falar de sua sogra daquele jeito. Duas mensagens depois e deu-se a gota d’água. Não podia permitir que alguém maculasse a imagem daquela santa dessa forma. Pegou o celular e deu alguns toques, mas a ligação chamava e acabava por cair na caixa de mensagem. Safado, pensava Eliseu e seu peito ardia em pensar a sogra nos braços daquele oportunista.

Mas quando já se punha a ir ao encontro da sogra, sua porta foi invadida por um vulto. Demorou alguns minutos para perceber que se tratava de Cilene:

- Ué, o que a senhora faz aqui?!

- Estou preocupada com minha filha, fui ao médico hoje e faz duas horas que pedi que ela levasse o carro para lavar e passeasse com a Peny no meu lugar. E ainda agora que liguei para o seu celular, um homem atendeu e disse que ela estava no banho...

Eliseu primeiro sentiu a dor da traição, mas depois caiu na cadeira aliviado, sua sogra continuava a ser uma mulher de reputação inquestionável.

Rangel Luiz
Enviado por Rangel Luiz em 31/01/2011
Reeditado em 01/02/2011
Código do texto: T2763617