NÃO BASTA SÓ TER CRIATIVIDADE

Eu tenho um amigo, quase irmão — o Amilton — que pertence à valorosa família Pinto, de um lugar chamado Marrecas, que ele garante ser um Distrito, mas eu suspeito não passar de um Subdistrito da cidade de Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro. É uma figura! Um desses tipos que gostam de descansar carregando pedra, porque, mais agitado do que aquilo, eu duvido que possa existir.

Já faz muitos anos que nos conhecemos, numa relação gratificante e prazerosa, que é mais do que pessoal, porque envolve as nossas respectivas famílias. Já viajamos juntos e posso afirmar, quanto a isto, que se trata de um excepcional companheiro de viagem, porque, como diz o meu pai, não há melhor maneira de se conhecer o caráter e a natureza de uma pessoa, do que fazendo uma viagem com ela. É quando identificamos e separamos quem é solidário de quem não é, o altruísta do egoísta, o divertido do chato e o resolvido do complicado.

Então o nosso Amilton, quanto a todas estas características, está sempre no primeiro grupo. Tem um espírito esportivo invejável e, ao lado dele, há sempre motivo para a gente estar de bom humor. E como se fosse pouco, ainda se casou com uma pessoa muito especial — a Tina — que pertence a um ramo dos Oliveira, uma família muito querida e animada, com a qual tenho tido o prazer de conviver, de alguns anos a esta parte.

Mas não é bem da genealogia dos Oliveira Pinto que eu gostaria de tratar, senão de um episódio em particular, do qual eu não participei, mas que já me fez dar boas risadas. Foi no primeiro aniversário do primogênito do casal, que também é o primeiro neto da sua geração, tanto pelo lado materno, quanto pelo lado paterno. Fazia um ano de idade o infante e a mãe — que tem um gosto especial por preparar uma festa, por qualquer motivo — escolheu como motivo da festa, pela razão já explicada, que tudo versaria sobre “pintinhos”: a decoração, o bolo, os adereços e, até mesmo, as lembrancinhas.

Uma pessoa comum teria optado por um brinquedinho em forma de um pinto, recheado de balas, apitos, anéis e outras bugigangas próprias das festas infantis. Mas, para eles, isto seria simples demais. Então, a mãe optou por umas gaiolinhas decoradas, cada uma das quais levaria no seu interior um daqueles pintinhos de “um dia”, que se chamam assim, não apenas porque só tenham um dia de nascidos, mas, principalmente, porque, entregues aos cuidados de uma criança, costumam não durar, mesmo, mais do que umas 24 horas. Gente criativa é outra coisa!

O problema é que, já quase ao final da comemoração, com os pais e mães arrastando os pimpolhos de porta afora, uns agitados e outros com sono, carregando balões e outras quinquilharias típicas dessas ocasiões, mas todos com as bochechas e roupas sujas de doces, era chegado o momento de entregar a criativa lembrança, a cada um dos pequenos convidados. Foi quando perceberam que um dos pintinhos não resistira ao cativeiro da gaiolinha e viera a falecer, antes de ser presenteado. Ou seja, um dos pequerruchos iria para casa sem receber a sua lembrança, naturalmente.

Havia, pelo que me contaram, até alguma reserva para esse tipo de eventualidade. Mas, como costuma acontecer nessas ocasiões, alguém levara um priminho que não estava no rol dos convidados e a conta dos pintinhos foi superada. Então, entrega uma gaiolinha aqui prá este menino, outra para aquele e, antes que se acabassem as crianças, acabaram-se os pintos. Foi quando o último infante, ficando sem o seu, começou a aprontar aquele berreiro. Queria, porque queria, a sua gaiolinha também, enquanto uma tia do pequeno aniversariante tentava esconder a prateleira onde restara aquela última gaiola, com o pobre pintinho falecido dentro dela. E se esforçava para acalmar o garoto, explicando que não havia mais pintinhos para distribuir, sem que nada consolasse o pequeno.

Pois foi nessa hora que, percebendo a confusão, o Amilton se aproximou e, com a maior calma, disse ao pimpolho que chorava:

— Calma, que ainda tem um pintinho para você, sim...

A cunhada tentava explicar ao pai do aniversariante, falando baixinho, que não havia mais pinto nenhum para entregar, porque um deles morrera, enquanto ele insistia:

— Como não tem? Tem sim!

E, antes que ela entendesse a idéia maluca que ele tivera, o Amilton apanhou a gaiolinha com o pintinho morto e, o dedo sobre a boca, em sinal de silêncio, disse ao garoto, quase sussurrando:

— Shiiiii... Faz barulho não, que ele está dormindo...

O menino saiu dalí todo satisfeito com o seu pintinho morto na gaiola, enquanto para a mãe, que assistia toda a cena, estupefata, o Amilton disse, com a maior caradura:

— Amanhã, vá bem cedo ao mercado e compre outro pinto desses, para colocar no lugar, antes que o menino acorde.

Falando mesmo sério, para fazer uma coisa dessas na festa de aniversário do próprio filho, não basta só ter criatividade; é preciso ter algum parafuso meio solto... É ou não é?