O BODE QUE DEU BODE

Tudo numa cidade pequena vira grande novidade. Foi um reboliço quando foi fundada a primeira igreja protestante em Boqueirão da Chapada, no sertão nordestino.

Um jovem casal, chegado há pouco da Suíça, foi incumbido de apaziguar as almas rebeldes das paragens remotas. Um templo foi erguido em tempo recorde. A paciência, o espírito caritativo e a generosidade dos evangelistas contribuíram para que em menos de dois meses centenas de almas estivessem convertidas à fé evangélica. Três vezes por semana as aconchegantes acomodações do templo ficavam superlotadas.

O pastor suíço avisou que todos os convertidos deviam expor sua decisão de se converter à fé cristã. Devia ser feita uma declaração pública em que o confessante proclamaria os motivos perante Deus e os homens, dando conta do arrependimento de todos os seus pecados para que não só Deus como os homens pudessem glorificá-los. Só aí o crente poderia receber o batismo e, consequentemente, o perdão dos pecados.

No dia marcado para o primeiro batismo havia uma multidão de novos crentes e de curiosos. O salão do templo não comportou tanta gente, de modo que os curiosos ficavam a bisbilhotar do lado de fora, pelas janelas - Aliás, a espreita a distância é uma característica peculiar de curiosos maldosos.

O primeiro testemunho seria de Dona Zefinha, uma sexagenária, que havia conquistado o respeito dos populares. Auxiliado por sua esposa, o pastor pôs a bíblia aberta sobre a cabeça de Zefinha e proferiu: "Irmã, relate agora para Deus e para o mundo os pecados que a senhora cometeu". E ela com a mão sobre o peito: "Eu já cometi muitos pecados, meus irmãos. Amanhecia o dia em festas, acobertei o namoro de uma vizinha casada, tomei o marido de minha prima. Já fui mulher da vida. Bebia cachaça e dizia: Isso aqui é de vocês (batendo a mão sobre a virilha)". Lá fora houve um verdadeiro alarido. As gargalhadas chegaram a atrapalhar o culto. Com refinamento o pastor pediu que o povo fizesse silêncio.

O batismo e os depoimentos mordazes continuavam. Por fim foi a vez de Toinho Piaba, um homem de pele escura, de pequenas posses, residente na zona rural.

O pastor posicionou a bíblia em sua frente e autorizou que ele iniciasse o depoimento. "Eu, meus irmãos, também já cometi muitos pecados cabeludos, mas hoje, meu Deus, tou arrependido. Bebi cachaça, bati em minha mulher, curti muita preguiça deitado debaixo de um pé de juá e roubei muitos bodes do Herculano Ferraz".

Herculano era um fazendeiro cujo latifúndio se estendia ao longo do pequeno sítio de Toinho. O latifundiário assistia ao espetáculo do lado de fora da igreja. Encostou o rosto no espaldar da janela e gritou: "Desce daí, negro safado, e vem agora pagar meus bodes. Tu agora vai dar conta de mais de cem animais que sumiram do meu pasto!"

A correria, a gargalhada e a balbúrdia tomaram conta da cena.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 02/09/2011
Reeditado em 08/10/2011
Código do texto: T3196888
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