"Pronta para o Abate"

Tinha eu vinte e sete anos, muito bem vividos.
Trabalhava em uma pequena fábrica de torneiro revolver.
Na esperança de ser um torneiro mecânico, cheguei a fazer alguns cursos.
Por dificuldades financeiras nunca passei do primeiro estágio.
Aliado a extremo misere, eu tomava uma cervejinha, e fumava igual uma pequena chaminé, das vinte quatro horas do dia acho que fumava umas vinte.
Era considerado um galã da periferia, um verdadeiro limpa trilhos.
Se em festa o povo interessante raleava, como uma onça vorás atacava até arrumadeira (o coração bateu, casco fogo).
Em certa festa, onde parece que todos os garanhões participaram.
Já ia dar zero hora e eu nem dançar havia conseguido.
Desta vez aconteceu fiquei sapateiro.
Uns poucos casais dançavam.
Vou pegar uma cuba livre e depois vou embora, fazer o que?
Já me preparava para a gozação do dia seguinte, pois ninguém perdoa, principalmente um cara visado como eu.
Ao lado do barzinho improvisado tinha uma mesa com uma velha e uma menina de no máximo dezesseis anos.
Tudo bem Oliveira?
Não reconheci a velha que sorria para mim.
Que castigo essa não, esta mulher precisa de extrema unção e não de um par.
Mas malandro morre lutando sem perder a pose.
Tudo bem, respondi com meu melhor sorriso.
Acompanho você há muitos anos, para mim você é o melhor dançarino de salão que conheço.
Também tem tempo de janela né?
É já escorreguei por estes salões por aí.
Quando você começou, eu também dançava, mas agora com a artrite, só se come com os olhos e lambe com a testa né?
Sente-se Oliveira, quero te apresentar minha sobrinha.
Eu nunca me casei, esperei meu príncipe e perdi o trem, escolhi demais, Rosinha cumprimente o homem.
Com um fio de voz a moça falou olá?
Dentro deste coração velho estourou, dinamite, TNT, sei lá – puxei uma cadeira e disse posso?
Enquanto a velha arreganhava seus poucos dentes que apoiavam a ponte móvel.
A menina mostrou os dentes mais lindos que vi, deveria limpar um a um com certeza.
Dança com ele Rosinha, ensina ela Oliveira, esta parece tem dois pés esquerdos,
Com prazer corri no rapaz do som e encomendei uma lenta.
Ele piscou para mim e mandou The Platters, Billi Vogue, Ray Conniff e outros.
Nunca fiz tanto esforço para mostrar o melhor de mim, além da moça não entender muito o riscado.
Foi ensinando e corrigindo que infelizmente o baile acabou.
Rosinha achou que eu era o máximo e eu realmente dei o melhor de mim.
Acompanhei a tia e a sobrinha até a casa delas que era próxima dali e já marcamos para o sábado seguinte.
Não deu para esperar e no domingo após o almoço aparecia para ver como estavam minha aluna e sua tia minhas admiradoras.
Dei sorte elas estavam no portão e eu disse – estava passando por aqui.
Vamos entrar tomar café.
Rosinha me deixou na mão e fiquei com a tia e seus quase cem quilos dentro de uma horrível bermuda e uma camiseta que daria para vestir um time de futebol (devia ter desconfiado).
Após uns quatro cafés ela pediu.
Você poderia ensinar minha sobrinha a dançar, eu até que tentei, mas não tenho paciência.
Posso sim, mas é preciso de colaboração e treinar muito.
Tempo ela tem, não faz nada.
Rosinha vem aqui,
Ela chegou e meu coração derreteu e lá vem Ray Conniff, Billi Vogue, e nóis na dança.
De vez enquanto um amasso.
Acho que ela era tonta, mesmo porque sempre ria.
Não tínhamos um diálogo, era só monólogo, ela ria e eu me aproveitava (só um pouquinho).
Ela começou a dançar razoavelmente.
Já saíamos sozinhos sem a tia que não tinha fôlego para as noitadas.
Na verdade eu também não e às vezes íamos treinar em casa, pois morava sozinho em um quarto e cozinha.
Aí rolava um namoro mais ousado.
A vida estava maravilhosa embora estivesse cansado, mas desfilar com uma menina jovem como Rosinha matava os amigos de inveja e eu de satisfação.
Dizem que até no céu entram em greve e surge uma discussão entre anjos coisa pouca é verdade, mas até lá.
Rosinha falou, não estou bem, mas você está tomando os remédios que te dei?
Não sei acho que esqueci.
O mundo veio abaixo.
Eu o super herói virei crápula, tarado, corruptor de menores, papa anjo, enfim cada um na vila queria me dar um couro, mas era só inveja.
Chegou um parente distante e colocou as coisas no eixo.
Não esquente é só casar.
Quase surtei, tive uma síncope, mas as opções eram poucas entre casar, morrer, ir preso, me casei.
Minha rainha continuou linda de rosto, mas ganhou alguns quilinhos, uns cinqüenta mais ou menos.
Quando saíamos. Ela ia à frente e atrás íamos eu, uma sacola com mamadeiras, fraldas, roupinhas, e Ah esqueci duas crianças, tão lindas quanto à mãe e fofinhas também e choravam também e um carrinho duplo daqueles que enroscam, travam e coisas assim.
Quando passava em frente ao meu bar preferido. Ouvia assovios, parece que até caiam ao chão de tanto rir pela minha sofrível situação.
Minha esposa xingava a plenos pulmões na rua sem se preocupar com quem ouvia.
De galã virei à chacota do bairro até que ela começou a me agredir fisicamente.
Não gosto mais de dançar, consegui fugir de casa.
Estou trabalhando numa plataforma de petróleo, consegui documentos falsos e nas folgas a cada vinte dias o pessoal vai para o continente se distrair.
Quando me chamavam para participar do abate me dá uma tristeza, uma vontade chorar.
Sei que em algum lugar alguém com cento e poucos quilos esta me jurando de morte.
Quando eu te pegar seu xibungo, corto suas bolas.
E aqueles qualificativos que sabe falar tão bem.
Cuidado você garanhão, tenho febre delírios, tudo porque quis me aproveitar de uma situação aparentemente vantajosa.
Mas era só armadilha e eu caí.

Esta hilária historinha é para algum desavisado “papa-anjo”
(o demônio também é anjo)


OripêMachado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 25/11/2011
Código do texto: T3356480
Classificação de conteúdo: seguro