O Crélio
 
Dias desses, estava lá eu, entretido com meus pensamentos, tentando atravessar a “faixa de Gaza” do cruzamento da Francisco Glicério com a General Osório, quando ouvi alguém me chamar.
Era o Crélio. Eu não falei nada mas, minha alma toda gritou : puta que o pariu !!! Era só o que me faltava. O Crélio era colega de infância, de coração puro, que tinha todos os atributos para ser um cara bem chegado ... só que não era. E o nome dele a gente tinha que falar bem depressa, pra não ficar dando a impressão que estava dizendo bobagem.
Quando a gente era criança, eu lembro bem, ele colecionava todo tipo de bugigangas que apareciam. Mas, o que ele gostava mesmo era de ler e carregar prá todo lugar as revistas do Batman. No carnaval era fatal que, no clube que a turma frequentava, o Crélio apareceria vestido de homem morcego. O problema é que ele ficava com aquela merda de fantasia durante todos os dias de carnaval e, pendurados nela, uma porrada de artefatos que caracterizavam o super herói. Tinha o iô iô, a pistola d’água, uma corda e um maldito bumerangue que ele, de vez em quando, jogava pro alto e ficava admirando como se fosse uma coisa do outro mundo.
Depois, com o passar dos anos, cada um foi para o seu canto. E, ele, por sua vez, adquiriu novos hábitos mais modernos.
Se ia dar um abraço, ficava agarrado mais tempo do que devia, impregnando a roupa da gente com um insuportável cheiro de loção de barbear. E pior, gostava de beijar as bochechas, como se estivesse abraçando a mais linda deusa da televisão e cinema.
Segurando na manga direita da minha camisa (outro hábito que ele tinha) e, depois de desfilar um rosário de reminiscências, fiquei sabendo que tinha casado com uma morena alta e bonita chamada Cidinha, que puxava um pouco da perna esquerda, também colega de infância lá do bairro ... outra destrambelhada, lembrei.
Vendo o tempo passar, e com aquela maritaca pendurada em minhas orelhas, nem me lembrava mais o que tinha ido fazer no centro. Mas, a certeza mesmo era de que precisava arrumar um jeito de terminar aquele cafezinho e me livrar daquele pentelho desalmado.
Quando eu já achava que o gajo não ia me largar de jeito nenhum, eis que a gerente do banco com quem, agora lembrei, eu estava indo me encontrar, entra no Café Regina, com uma roupa toda preta e uma tiara dourada que lhe adornava os cabelos castanhos. Nesse momento me veio uma idéia terrível !!! Depois de cumprimentos de ambas as partes e todo aquele blá blá blá de sempre, apresentei-a ao Crélio, e, em tom de brincadeira, disse que aquela era a Mulher Gato. Obviamente não faltei com a verdade porque a Helena realmente era uma gata e, por uma feliz coincidência, estava vestida de preto. Por experiência, eu sabia o efeito que aquele nome causaria junto ao chato de nome complicado de se falar. Os olhos do Crélio brilharam. Soltou, repentinamente, a manga direita, toda amarrotada, da minha camisa e, se colocou ao lado da Helena.
Aproveitei e disse que precisava urgenciar alguma coisa e me mandei do lugar. Ele não me via mais.
Demorei uns quarenta minutos para cumprir toda a minha rotina e, com curiosidade, de longe, meio escondido, dei uma passada pelo lugar. Lá estava ele, grudado no braço direito da pobre moça que não sabia mais o que dizer. No dia seguinte, o telefone gritava por mim, desesperadamente. O número que o bina indicava era o da Helena .

É claro que não atendi ...
 
Germano Ribeiro
Enviado por Germano Ribeiro em 01/02/2012
Reeditado em 25/06/2012
Código do texto: T3474062