COITADO DO GALO

COITADO DO GALO

Desde priscas eras há narrativas fantásticas e estórias surreais envolvendo o galo que nos remetem para lá das calendas gregas, fazendo desta ave um personagem quase mitológico. Se outras palavras não houvesse para descrever tão interessante galináceo bastaria dizer, galo é galo e pronto. É bom ter em mente que antes de ser inventado o relógio despertador, era o galo quem anunciava o romper da aurora. É claro que temos outros arautos, por exemplo as doces cotovias, de canto bem mais belo e mavioso que o galo, porém, a cotovia não é ave universal, inexistente por exemplo aqui no Brasil. Mas hoje me propus a falar do galo, o sonhador, o irreverente trovador romântico, o poeta das madrugadas. Já Byron chamou-lhe o clarim da madrugada, eu prefiro chamá-lo o arauto da madrugada, porque clarim me soa a coisa militarizada, a guerra; e o nosso amigo galo não é dado a guerras, a menos que seus rivais bicudos queiram invadir o seu terreiro. E aí sim o galo é valente, um guerreiro, na defesa do que ele mais preza as galinhas. Se há aqueles outros galos que brigam nos ringues, os chamados galos de rinha, é porque para isto foram criados e ensinados pelo sadismo humano.

O galo canta porque sente que a vida é bela, é um romântico, e com seu canto também manda seu recado aos outros galos, que aquele espaço lhe pertence.

Para mim, o canto do galo anunciando o romper do dia tem algo de mágico quando se mistura às cores do alvor das belas madrugadas. Mas todas estas alvíssaras ao galo foi motivado por certa notícia que correu na imprensa acerca de exacerbada guerra que um cidadão e aposentado morador de um balneário do litoral gaúcho, irritado com o canto de certo galo madrugador moveu ação judicial contra o seu dono, exigindo que este sacrificasse seu galo, cujo pecado maior era ser um cantador inveterado. Tanto azedume por causa do inocente canto de um galo, que não tendo outra coisa para fazer, gosta que suas cantarolices se prolonguem para lá das horas matutinas. Ora, se não fosse hilariante este episódio, seria caso para dizer, não senhor, ninguém tem o direito de calar a voz a um trovador. Talvez seja esta sua inconsciente maneira de louvar ao Criador por mais um dia que amanhece, coisa que muitos de nós esquecemos de o fazer.

Pois o pobre galo para não ir parar a uma fervilhante caçarola que por certo faria as delícias de algumas barriguinhas, teve que ir cantar em outra freguesia, deixando suas franguinhas muito sorumbáticas e cheias de saudade.

Como atrás já referi, o galo desde eras muito remotas é personagem constante de muitas histórias inclusive de passagens bíblicas. Lembram a repreensão de Jesus ao seu discípulo Pedro, quando estava sendo julgado por um tribunal fajuto, que o haveria de condenar? -Ainda hoje antes que o galo cante três vezes tu me negarás... Ou aquela outra estória do galo de Barcelos que para inocentar um pobre coitado, e já devidamente temperado e assado na travessa prontinho para ser deglutido, teve que ressuscitar batendo asas e cantar. Ou ainda aquela de Sócrates lá na antiga Grécia, que prestes a morrer, dizia ao seu amigo Criton: “Não esqueças de que devemos sacrificar um galo a Esculápio”. Essa, Sócrates, eu não esperava de ti, é caso pra dizer, até tu Sócrates?...

Assim é a vida do galo cheia de altos e baixos. Como se não bastasse seu sacrifico ainda que involuntário, para encher a pança de muitos glutões, hoje em pleno século vinte e um é perseguido por cantar.

Para mim toda essa má vontade contra o altivo e soberbo bicudo de crista vermelha e arrebitada e bela plumagem é pura inveja. Ainda se fosse um gasguito garnisé qualquer, vá lá, vá lá!...

... Lembro outros lugares, muito além/e outros galos chocarreiros,/que cantavam estórias de ninguém/ lá do alto dos seus poleiros. Foi-se a noite, foi-se a aurora/apagou-se o vivo alvor/vão-se os sonhos embora/por que cantas ó sonhador?

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 24/03/2012
Reeditado em 26/03/2012
Código do texto: T3573667