O PULO DO GATO

O PULO DO GATO

(Folklore brasileiro, recolhido por Monteiro Lobato)

(Recontado em Terza Rima por William Lagos, 2l/12/2011)

O PULO DO GATO I

Fizeram amizade, na floresta,

a Onça e o Gato, todos dois felinos:

andavam juntos e se faziam festa...

E enquanto da fartura tocam sinos,

os dois viviam, bem alegremente

e até brincavam, como dois meninos.

E nessa sua amizade tão frequente

o Gato perseguia, até que a Onça

caçava a presa, muito facilmente,

bem escondida, fazendo-se de sonsa:

o espantado caía na armadilha:

o Gato mia e a outra, feliz, ronça...

e convivendo juntos, na partilha,

os dois da presa se alimentavam,

que na abundância a amizade não se estilha.

Mas os olhos da Onça observavam

a agilidade demonstrada pelo Gato

e seu acervo de pulos invejavam...

O PULO DO GATO II

Assim, um dia, com o maior recato,

pediu ao Gato umas aulas de pular

e o amigo concordou, professor nato,

e foi mostrando como se lançar

direto sobre a presa, sem astúcia,

e como desviar-se, em pleno ar,

em movimentos da mais completa argúcia

e repetia o pulo muitas vezes,

até que a Onça compreendesse sua fidúcia...

E prosseguiram assim, por muitos meses,

enquanto a presa no chão ainda jazia,

de cuja carne os dois eram fregueses;

e tanto quanto seu peso permitia,

a Onça suas manobras imitava

e a pular bem melhor ela aprendia.

E sua amizade sempre se firmava,

pois nunca faltam amigos na fartura,

pela riqueza que nos sobejava...

O PULO DO GATO III

Mas veio a seca e a comida já escasseava

e os dois começaram a se estranhar:

o Gato a pouco e pouco se afastava...

Pois surpreendia na Onça algum olhar,

ao contemplar-lhe o pelo reluzente...

Qualquer bichinho chegava a lhe fartar,

enquanto a amiga, bem naturalmente,

precisando de comida sempre mais:

buscava presas mais avidamente

e nunca o que encontrava era demais,

já nem queria repartir com o Gato,

embora achasse muito naturais

as suas ajudas através do mato,

que o Gato lhe prestava nas caçadas:

foi-se tornando traiçoeira, triste fato!...

Via o bichano esses pequenos nadas

e contentava-se com rato ou passarinho,

deixando à Onça as caças mais pesadas.

O PULO DO GATO IV

E enquanto o Gato subia a qualquer ninho,

para comer os ovos ou os filhotes,

a percorrer até o galho mais fininho,

a Onça dependia de seus botes:

as presas magras não a satisfaziam

e do Gato invejava os ágeis dotes.

Mas bem ou mal, enquanto se nutriam,

o Gato continuou a dar-lhe ajuda...

Contudo, os olhos da Onça reluziam

ao ver a carne que os ossos bem escuda

de seu parceiro, enquanto emagrecia,

a fome na barriga sempre aguda...

E a gula pelo outro já nutria,

porém ele se furtava a chegar perto,

que lá de cima muito melhor via,

por entre os galhos, cada espaço aberto

e era assim que à amiga ele avisava,

até que o mato ficou quase deserto...

O PULO DO GATO V

E a Onça, cuja fome lhe apertava,

tramava um jeito de comer o Gato,

porém sua amiga sempre se mostrava;

e um dia, ao deparar com um regato,

que brotava de uma fenda, bem fininho,

arquitetou um plano, em desacato:

falou ao Gato sobre o riachinho

e convidou-o a irem beber água

no fio estreito e escondido num matinho,

que mal fazia ruído pela frágua...

E o Gato concordou, mas foi esperto:

bebeu de longe, a Onça em pura mágoa...

Ela insistiu que chegasse bem mais perto...

Disse-lhe o Gato que a sede já matara,

pois de algum plano da Onça estava certo.

Mas num relance, a Onça já avistara

um lagartinho a se aquecer ao sol

e novo truque bem depressa elaborara...

O PULO DO GATO VI

“Compadre Gato, já surge o arrebol

e não comemos nada, porém lá

vejo um lagarto, que será o nosso gol!...”

De um salto o Gato sobre o lagarto está,

mas a Onça em cima dele se atirou!

Só que o Gato para um lado pulou já,

tendo nos dentes o lagarto que pegou,

ficando a Onça sobre a pedra, bem sozinha!

“Mas esse pulo você não me ensinou,

Compadre Gato, que coisa mais mesquinha!”

E lá de longe, disse o outro, com sua presa:

“Comadre Onça, não se faça de bobinha...

Este lagarto cacei eu, por esperteza,

pois o mais tolo de todos os professores

é quem ensina tudo aos outros, com certeza!...”

“Este é o Pulo do Gato, em seus pendores:

nenhum de nós o ensinará jamais,

por mais que alguém nos jure seus amores!...”

O PULO DO GATO VII

“Pois são os gatos puladores naturais:

damos um jeito de só cair em pé;

e esse jeito não mostramos aos demais!”

“Eu já sabia que mostraria má fé

e fico com o lagarto, por castigo,

mas desta mata vou-me embora, até!”

“Vou em busca de um terreno mais amigo...

Cace a senhora sozinha, doravante,

Que eu não reparto nada mais consigo!...”

Surgiu o ditado então, daí por diante:

sempre que alguém demonstra ser esperto,

que sabe o Pulo do Gato se garante...

Porque não deixa um patife chegar perto,

embora finja até ser iludido,

quando um perigo lhe pareça certo...

Quem aos outros tudo ensina, está perdido!

Olhe ao redor, com cuidado e inteligência,

pulando sempre, para nunca ser vencido!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 25/03/2012
Código do texto: T3574902
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.